ATLETA DA MANGUEIRA VOLTA A SONHAR COM OLIMPÍADA

Maria Isabel Barbosa pode ser comparada a Neymar, sem exagero. Como o jovem, brilhante e promissor atacante do Santos, é uma joia que precisa ser bem cuidada para alcançar o seu valor real. No atletismo, entretanto, as coisas não funcionam como no futebol. Falta material, apoio, suporte financeiro e estímulo. A prometida política desportiva caminha lentamente. Para treinar, o velho e perigoso ônibus. No trajeto um assalto que poderia ter mudado sua vida. Para devolver a confiança de treinar e competir, uma parceria com a Evolutionsports que caiu do ceu. Conheça o caminho que essa linda e simpática paraibana, de 19 anos, vascaina, terá que percorrer para realizar o sonho de todo atleta.

COMO VOCÊ ESTÁ FISICAMENTE ?

– Mal, claro. Participei da primeira competição do ano agora, no início de junho. Foi a primeira prova da temporada, isso é péssimo. As provas começaram em fevereiro e fiquei esse tempo todo parada, treinando nas píores condições possíveis.

QUAIS OS PROBLEMAS QUE VOCÊ TEM PARA TREINAR ?
– Todos que você possa imaginar, começando pelo colchão, que foi retirado do Célio de Barros (Estádio de Atletismo) e levado para o Cefan (Centro de Treinamento da Marinha), onde há uma série de exigências por ser uma área militar. Tenho que pegar ônibus e voltar depois das 6 horas (18 horas) o que é sempre muito perigoso.

COM RISCO DE SER ASSALTADA, COMO ACONTECEU COM VOCÊ !
– É verdade. Eu estava treinando à tarde e saia de casa 1 hora, para começar a treinar por volta de duas, duas e meia, dependendo do transito da Brasil (Avenida). Foi um período dificil e eu dependia exclusivamente do ônibus. Nesse dia o treino se extendeu um pouco e saí 6 horas da noite, já estava escuro, peguei o 665 e só tinha lugar lá atrás. O ônibus parou e subiu um pivetinho e ficou agachado nos degraus. O motorista mandou subir e ele disse que não ia e puxou um canivete. Eu vi tudo e escondi minha bolsa e guardei o celular por dentro da calça e pus o agasalho por cima. Tinha uma senhora do meu lado muito nervosa, mas eu sou super calma. Tirei uma nota de 10 reais que tinha no bolso, junto com o Rio Card, quando ele chegou perto e falei: “olha, só tenho isso”. Ele pegou mais algumas coisas de outros passageiros e saiu correndo. Mas foi um baita susto.

QUAL É SUA PROGRAMAÇÃO PARA ESSA TEMPORADA ?
– Esse ano ainda poderei disputar o sul-americano juvenil, que estou cogitada para ir, como primeira do ranking, só que comecei o ano pensando em fazer o índice para o Pan juvenil (3,98), porque tenho condições de alcançar essa marca, tenho vara para essa altura, mas preciso treinar regularmente e competir com atletas fortes para alcançar a marca oficial. Mas para isso preciso competir oficialmente. E a próxima etapa será em julho, o Estadual Adulto, aqui no Rio. Antes vou ao Estadual Adulto de São Paulo, no Ibirapuera, uma competição importante, com a párticipação da Carla e a Sara. Não sei se a Fabiana vai porque ela está competindo lá fora.

POR QUE VOCÊ NÃO FOI A PORTO ALEGRE ?
A competição foi dia 4 de junho, o Interclubes, mas acabei sem condições de viajar e perdi o  prazo para inscrição. Poderia ter conquistado o bicampeonato brasileiro, que conta muito, mas não fui. A garota fez 3,05 e ganhou a prova. Eu tenho 3,60, poderia ganhar dela, mas aí faltou tudo, inclusive motivação. Como ia colocar 4 metros e pular sozinha ? A Darlly estava de serviço e o Renan (técnico da Mangueira) não tinha passagem. A Mangueira pagava a minha mas como fazer uma viagem dessa, para competir, sozinha, acabei não indo.


ESSA AJUDA DA MANGUEIRA NÃO É SUFICIENTE ?
– Não dá e é o que ela pode oferecer ao atleta. O traslado da vara é muito complicado. A vara não é dobrável, vai daquele tamanho mesmo que a gente usa no salto. Nem todo motorista de taxi que levar. É um problema muito sério. Até mesmo a Fabiana (Murer) tem problema, mas ela usa o carro dela e vai para onde quiser com ela. Eu vou ter que depender de taxi, da boa vontade do motorista e de mim, porque terei que carregar as varas sozinha. E o gasto do aeroporto ao hotel, depois para o local da competição, voltar ao hotel, despois mais um deslocamento para o aeroporto. Quando chega ao Rio o mesmo problema de traslado. É muito complicado.

VOCE DEIXOU DE GANHAR O BICAMPEONATO ?
– Assim, a Mangueira não levou ninguem. Quanto a ganhar não sei, eu poderia chegar e zerar a prova. Mas não era isso que eu pensava, mas ganhar o título. Como já falei, a menina fez 3,05 e tenho 3,60 era uma chance muito boa de conquistar o bicampeonato, que conta muito na carreira. Pelo ranking eu era favorita sim. Poderia melhorar minha marca lá, ou não. Poderia conseguir o índice, ou não, tudo dependia

ACABOU SENDO UMA DESMOTIVAÇÃO PARA VOCÊ ?
– De alguma forma, sim. Eu quero competir. Comecei o ano bem, mesmo achando que não seria assim por causa dos problemas com o colchão, que saiu do Celio de Barros foi para o Cefan, depois voltou, após o GP que teve, eu treinei apenas uma semana, certinho, dentro do planejado. Eu não estava treinando direito por causa desses problemas, que são muito desgastantes. Eu estava preocupada. Como seria saltar com apenas uma semana de treinamento ? Na hora baixei o sarrafo em 10 centímetros da minha melhor marca. Isso por conta do cansaço, má alimentação, sem resistência, uma série de problemas.

QUAL A PRÓXIMA ETAPA ?
– Com tudo isso, não posso esquecer que comecei o ano bem, em termos de resultados. Vamos querer, competir. Quero viajar, entrar no circuito outra vez. Não posso deixar de ir a São Paulo disputar esse torneio (São Paulo, Estadual Adulto, dia 25). O primeiro já estou fora por causa do tempo para inscrição, mas pretendo competir no dia 25, aí o Renan poderá me acompanhar, mas ainda não é certo. Claro que é um grande suporte, mas se ele não puder viajar vou assim mesmo.

O QUE ESTÁ PLANEJADO PARA A TEMPORADA ?
– Esse ano espero melhorar minha marca, ganhar o brasileiro juvenil outra vez, ir ao sul-americano. O que me restou agora foi tentar o índice para essa competição e conseguir uma boa classificação. Antes quero disputar o Troféu Brasil, em São Paulo, já que o Rio perdeu o patrocínio. Isso é ruim pára o atletismo daqui, que perde visibilidade. Todos os grandes eventos estão indo para São Paulo, onde estão o Fabio o Tiago. Só que esse é um evento importante, nacional, adulto. Alegam que houve a inauguração do Ibirapuera. E daí, e daí ?

ALÉM DISSO ELES LEVAM TAMBÉM OS ATLETAS DO RIO. JÁ FOI CONVIDADA ?
– Já, não nego. Quando fiz a minha melhor marca recebi um convite para ir treinar em São Bernardo. Há um grande projeto de construção de pistas, centro de treinamento, uma estrutura de ponta, inclusive com ginásio, pista indoor para salto com vara, muito bom. O Otaviano (Caetano) me perguntou se eu estava pronta para me transferir para São Paulo. Ele descobriu o Thiaguinho o Augusto, é um excelente profissional. Mas prefiro aguardar mais um pouco. Minha tia (Fátima Barbosa, que lhe dá apoio) adoeceu, tenho que ficar com ela até sua recuperação, faculdade, no momento fica complicado deixar o Rio.

COM ESSES PROBLEMAS VOCÊ ACABOU PERDENDO O PAN
– Agora não dá mais. Vai ser realizado em julho, na Florida e o tempo para obter o índice já passou. Agora só o adulto. É uma pena, mas a gente não pode querer abraçar o mundo só com dois braços. Eu sinto porque estou muito bem, numa ótima fase, mesmo com as condições atuais de treinamento.

AS CONDIÇÕES DE TREINAMENTO NÃO SÃO BOAS ?
– Não, falta muita coisa. Agora, por exemplo, estou tentando 4 metros, sem vara. A que estou saltando agora é da marinha. Treino com ela. A Mangueira, por exemplo, tem agora o Vitor, a Janaina que é mirim mas está começando a saltar com vara, mas pra mim acabou, não posso pensar em melhorar minhas marcas a não ser até 4 metros, mas paro por aí. Essa vara que eu salto é da marinha, da escola onde a Darlly dá aula. Eu não posso viajar com uma vara que não é minha. Se der algum problema, como vou ficar ?

ALEM DO VELHO PROBLEMA DO COLCHÃO
– É verdade. Fiquei duas semana sem poder treinar por causa desse colchão. Tive que voltar ao Cefan, com o suporte da tenente Carla, que já treinou com a Darlly e me liberou para continuar as atividades. Depois ela viajou e fiquei um mês sem treinar direito, não podia seguir um planejamento adequado. Fiquei praticamente parada, perdi peso, massa muscular, condicionamento e tive que procurar uma nutricionista e gastei 430 reais.

O SUPORTE QUE A MANGUEIRA TE DÁ AJUDA NO TRANSPORTE, PELO MENOS ?
– Transporte não é o caso porque moro pertinho da Vila Olimpica, mas quando estava treinando no Cefan eu vi a triste realidade que os atletas sofrem. Não tem dinheiro para treinar, ficar uma hora em pé num ônibus. Houve um período muito difícil porque a Mangueira ficou um tempo sem dar suporte. Problemas com a renovação do contrato. Nesse mesmo tempo o “Bolsa Atleta” parou também e fiquei totalmente sem dinheiro que eu recebia do atletismo. Fiquei dependendo da minha tia (Fátima Barbosa). Agora o “Bolsa atleta” está pagando direitinho. Vou ficar dependendo desses próximos eventos para tentar melhorar minhas marcas, continuar nessa batalha.

A OLIMPIADA É O SONHO DE TODO ATLETA. TAMBÉM PENSA NISSO ?
– Ninguém pode andar só com uma perna, a gente anda com as duas. Como foi feita a pergunta, todo atleta pensa nisso. É a mesma pergunta sempre, inevitável. Claro, é meu sonho, e de qualquer um. Depois que eu competir uma Olimpíada não vou querer mais nada na minha vida, ainda mais essa que vai ser em casa. Só que assim, depende de patrocínio, depende de um suporte, de alguém chegar e dizer, “vamos, to contigo, vem”. Depende. Eu estou fazendo meu trabalho, treinando, fazendo a minha parte, procurando competir fora, eventos que não tem aqui no Rio, o resto depende das pessoas, dos patrões, o que eles vão fazer.

E AS POLÍTICAS DE APOIO AO ESPORTE SÓ FUNCIONAM PARA A FABIANA MURER ?
– Todo o apoio que ela quiser ela tem. É assim que funciona. Os caras pôem no papél mas não fazem nada, não sai. Fizeram varios projetos para o Celio de Barros e até agora nada. Ficam falando “calma, calma”. Calma até quando, até 2015 ? Eu quero disputar essa Olimpiada em casa, só que não depende só de mim. É complicado.

NESSE CASO, QUAL É A ESTRATÉGIA ?
– Eu penso assim, uma coisa de cada vez. Não vou fazer disso uma obsessão. Eu já perdi esse Pan que teve, podia ter ido se as coisas estivessem correndo normalmente. Eu nunca esperei ser campeã brasileira, saltar 3,60, nunca esperei competir com a Fabiana (Murer), nunca esperei ficar em sétimo lugar no Troféu Brasil, nunca esperei nada do que eu já tenho. Tudo aconteceu naturalmente, então, vamos ver .

COMO ACONTECEU A PARCERIA COM A EVOLUTIONSPORTS ?
– Nosso primeiro contato foi a dois anos e vou ser bem sincera, no início eu ficava assim “ah, vai ser o mesmo papo dos outros”. Mas foi uma coisa séria. Eles fizeram um projeto onde eu deveria relacionar minhas necessidades, como nutricionista, fisioterapeuta, ortopedista, tudo o que eu precisasse. Isso incluia suporte para a Darlly, viagens, tudo. Foi o suporte mais expressivo que tive na minha carreira esse da Evolution, com a realização dessa competição, com todo o apoio aos atletas, impecável na organização. Procuraram e conseguiram fazer um evento muito importante para o atletismo, parecido com os de São Paulo. Isso tem um custo muito grande, não dá para repetir sempre se não eles fariam todo mês, todo final de semana fariam um festival.

ISSO TE DEU MAIS CONFIANÇA EM PODER DESENVOLVER A CARREIRA ?
– Com certeza. Eles tem uma preocupação muito grande com a gente. Não só comigo, mas com todos os atletas com quem eles trabalham, buscando apoio, patrocínio, então a Evolution vai acrescentar muito. Eu que não sou de ficar incomodando as pessoas, não reclamo, eles ficam perguntando sempre se falta alguma coisa. Vai viajar, fala com a gente. Agora estou mesmo precisando e estou procurando eles. O Felipe (Balthazar), gerente de negócios, conseguiu um bom suporte para Porto Alegre, procuram ajudar no que podem e isso já é bastante significativo.

One thought on “ATLETA DA MANGUEIRA VOLTA A SONHAR COM OLIMPÍADA

  1. Olá,
    Maria Isabel Barbosa é bem mais atleta que Neymar, os sacrificios que faz por algo que ela realmente gosta são de salutar. Pena que nem todos os atletas com todas as condições pensem assim. Tenho uma pergunta, com que idade começou ela?

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