TORCEDOR ESCALDADO TEM MEDO DE INJUSTIÇA

Desde 1970, quando tinha dezoito anos e sai pelas ruas entorpecido, como toda a nação pelo Tri e, só depois, assistindo Prá Frente Brasil, de posse dos relatórios da Comissão da Verdade atestando torturadas, que o Herzog havia sido mesmo enforcado, descobrimos que nada encobre mais uma injustiça que a paixão que temporariamente nos domina. Desta vez, outra grande conquista dentro de campo, mas que ela não venha perpetuar novas injustiças fora dele. Porque foi tudo por justiça. Tanto a Copa das Confederações quanto o clamor das ruas.

O tornado de emoções, e reivindicações, tomou conta do país desde que a bola rolou entre Espanha x Uruguai. Queríamos justiça pro futebol e pra política. Fomos pras avenidas engarrafadas de carros e a trocamos por gente, aos estádios que nos bastavam por outros superfaturados, e mesmo assim, levantamos um título merecido. Mas cometemos novos equívocos. A primeira com a Presidente Dilma. Caiu sobre uma mulher corajosa, do bem, as trapaças do Renan, a incompetência do seu congresso e senado ao não lhe enviar as reformas políticas, e como pagar pelo aumento das passagens se foi dela, há dois meses, a retirada dos impostos pra sua diminuição?

Apesar de diminuir a desigualdade social, não devolver a violência que lhe impuseram e mandar tropas desarmadas aos conflitos, tomaram-lhe a popularidade por ser a comandante da vez de um país historicamente incorreto. A segunda foi com o Junior. A Globo não foi justa com o Junior e não levantamos um só cartaz por ele. Pois se existe um brasileiro que é a cara do país e foi omitido no áudio e no telão, este se chama Leovegildo da Gama Junior. Como atleta, foi dos mais brilhantes. Não contestador como Afonsinho, nem revoltado como Almir, o Pernambuquinho, muito menos submisso como o Bebeto. 

Junior sempre representou o equilíbrio. Como comentarista, jamais criticou seus companheiros, descobrindo, com sua brasilidade exposta, uma maneira simples e inteligente de explicar o futebol para todos da família. Junior começou jogando na praia e, por seus pés, o Brasil construiu, no Beach Soccer, um outro reinado. Precursor do Futivôlei, sua diversidade explícita o levou à Sapucaí, sendo referência de outra paixão nacional, a Estação Primeira de Mangueira. Bem, bom de bola, de samba, de ética e microfone, verdadeiro símbolo do seu país, porque o mandaram para Salvador narrar a disputa do terceiro lugar e deixaram, na cabine do Maracanã, um Ronaldo confuso, inexperiente, comprometido com a FIFA, com o Marin e com a ditadura do Galvão ?

Pela Dilma e pelo Júnior, em protesto, assisti a final com o freio de mão, e da paixão, puxados. Dependendo do tamanho que lhe atribuam, em acordo com o interesse de patrocinadores ou ditadores, seja “o jogo do século!” ou “uma partida para a história”, costumam, os tais 90 minutos decisivos, serem cúmplices de julgamentos definitivos. Eternizarem injustiças, sempre lembradas pelo Baú do Esporte, mas jamais reparadas. Capazes de afundar para sempre um craque digno como Barbosa, em 1950, e elevar outros, como a tal família Scolari, impregnada entre nós desde 1992. 

Porque está mais do que provado: no futebol mundial, quem produz a melhor matéria prima é o Brasil. O problema sempre esteve nos brasileiros escalados para confeccionar seu produto final chamado seleção. Foi assim com Vicente Feola, Aymoré Moreira e Cia. Pois se temos na zaga um lateral campeão do Barcelona, o melhor zagueiro do mundo e campeão Francês, o destaque da zaga do Chelsea ao seu lado e, na outra lateral, uma fera do Real Madrid, com outro campeão pelo Bayern de Munich, o Dante, na reserva, podemos nos dar um luxo de ser dirigido por quem acabou de rebaixar o Palmeiras.

Só não podemos, perante mais uma vitória, eternizarmos as duas novas injustiças da vez. Porque o país que tanto lutou pela democracia, que o mundo aprendeu a admirar quando superou a crise econômica, venceu a fome e tirou tantos brasileiros da miséria, não pode aceitar que a corrente pra frente da vez lhe aponte um novo caminho pra trás.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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