ONDE NÃO NASCE GRAMA MAL CRESCE A ESPERANÇA

Acabo de passar por um rubro-negro inconsolável, o Flavinho, garçom do Arabeck, aqui em Três Rios. “Puxa, mal consegui dormir esta noite. Logo o Bruno, que já me deu tantas alegrias…” Sincera, era, no mínimo, uma manifestação diferente de todas que ouvi, daquelas que estão pichadas nos muros da Gávea e da tranqüila Vespasiano.

Completamente oposta às caças às bruxas, quem sabe até justas, que passou a sofrer o goleiro Bruno em todos os órgãos de comunicação. “Trata-se de um monstro!”, disse uma senhora que acabara de passar por nós. “Um assassino!”, respondeu a outra. Ao procurar consolá-lo, disse-lhe que Bruno pagou o preço daqueles ídolos que, em menos de quatro anos, trocam os duros bancos dos trens da Supervia por uma confortável poltrona de couro de uma Mitsubishi Pajero. O que muitos levam anos e conseguem atrelar prudência e aprendizado para cuidar de suas riquezas,com jogador de futebol acontece quase instantâneo : do juniores ao profissional, firmando-se na equipe titular, passa a ganhar um montante que não aprendeu a lidar.

Bruno devia ganhar 200 mil mensais. Se joga Basquete e quer ficar livre da Maria-garrafão, ao pedir ajuda em quadra, o companheiro lhe dá conforto e o leva pra passear no Barrashopping. Se é do time do Bernardinho e passa por qualquer problema conjugal, o Giba, qualquer um daqueles educados desportistas, o aconselham a procurar a ajuda de um psicólogo. Ao pedir socorro às bases carentes, mal assistidas socialmente e que só agora recebem o bolsa-família e as UPPs, Bruno ouviu dos amigos o pior: “Deixa que nós resolvemos para você!”. E resolveram, ao modo deles. Todos, Kaká e Caio Ribeiro são exceção, que se tornam ídolos no futebol foram revelados em periferias ou favelas. Brinquedos? Só a bola. Colégios? Matam a aula para jogar bola. E se não há tempo pro inglês, pra informática, por conta de uma única opção, exercem à exaustão cada vocação. Que os leva à perfeição. Se há no enredo pro Globo Esporte um lar desfeito pelas dificuldades vividas, não tem conselho ou exemplo. Que dirá se não houver índole, que independe de tudo. Foram dar um jeito, a seu modo, em um problema do Bruno, acabaram jogando sua carreira no limbo. Será que ele quis que fosse daquele jeito a solução do “problema”?

Não, Bruno quis estudar e não foi estimulado, quis amigos de conselhos sensatos, da turma que lhe cercou e não venceu, de opiniões sensatas nada sobrou. Resta-lhe, agora, o cárcere, a execração, a sentença da qual pouco sabe lidar. Bruno se tornou um especialista em defender penaltys, em dar alegria à sua nação. Uma pena que poucos nesta mesma nação perderam qualquer tempo em  defendê-lo. Então, Flavinho, para seu consolo, permita-me defendê-lo, ser a exceção, porque o problema está na sociedade.Não no indivíduo. Não em quem escolheu pisar num lugar que nem a grama, ou a esperança, será permitido crescer.

Zé Roberto

Ex ponta-esquerda do CR Flamengo

José Roberto Lopes Padilha (Zé Roberto), nasceu em Três Rios, no Sul Fluminense, é estudante de jornalismo da Unicarioca. Ex-atleta profissional de futebol, jogou no Fluminense, Flamengo e Santa Cruz. Técnico de futebol, é Coordenador de Esportes da Prefeitura de Três Rios. Escreveu três livros sobre futebol: “Futebol: a dor de uma paixão”, “À beira de um gramado de nervos” e do trabalho tático “55 Reversível”, editado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.

3 thoughts on “ONDE NÃO NASCE GRAMA MAL CRESCE A ESPERANÇA

  1. Gozado, já esqueceram a agressão do agora encarcerado no (verdadeiro ídolo) Petkovic, das ameaças que o agora encarcerado fez a repórteres (“veja lá o que tu vai escrever, hein!”), e outras baixarias de conhecimento público. E pensar que foi trocado pelo Diego Tardelli… meu Flamengo, seu Flamengo, Iata, não merecia isso!

  2. Parabéns Zé Roberto. Teu texto emociona. Quem já esteve lá, sabe que é assim que o meio futebolístico funciona, infelizmente.
    Abraço.

  3. Iata, Zé Roberto, boa tarde,
    Antes de qualquer coisa, meu nome é Eduardo Tenório. Uso o apelido acima nos diversos blogs que freqüento e no meu mesmo. Trata-se não de uma alcunha, puta e simplesmente, mas um protesto àqueles que freqüentam blogs apenas para baterem palmas ou xingar blogueiros, fazendo isso e agindo assim sem um motivo aparente, sem que o motivo esteja no criticado, mas sim no crítico. Vejo as coisas ao meu modo, fruto do resultado de minha existência até aqui, desconexa de atrelamentos involuntários.

    Dito isso, venho aqui elogiar o texto acima. Um elogio direcionado tanto ao seu ao autor, como àquele que o publicou. Sei que são duas pessoas da mais alta galhardia, educação e bom senso. Um eu acompanho semanalmente na Rádio Tupi, o outro reside em minhas melhores lembranças, algumas alegres e outras nem tanto, mas que são essência da melhor espécie do futebol que vi e vivi.
    Concordo com a síntese do texto: O problema está na sociedade e não no indivíduo que, de certa forma é uma vítima de si mesmo.
    O que aconteceu ao Bruno e a menina que este vitimou, ou participou de sua morte, é conseqüência do que acontece em todos os setores e camadas da sociedade de hoje, mais especificamente, na sociedade brasileira. Alguns valores se foram rapidamente e não são mais vistos nas atitudes de jovens, crianças e alguns adultos por aí. Hoje não se levanta mais para dar lugar a uma mulher grávida, a uma senhora; hoje as brigas e discussões, que existem e sempre existiram e, que antes eram resolvidas em brigas e/ou discussões mais acaloradas, são hoje resolvidas com tiros e facadas. Os motivos com os quais todos concordam que levaram ou induziram, ou permitiram que o goleiro Bruno participasse deste ato tá vil, não são privilégios daqueles que vivem em comunidades carentes ou favelas, as famílias que ainda resistem enquanto famílias são açoitadas diariamente pelo medo que seus jovens se transformem em monstros. Tenho filhos e 20 anos e de 16 anos. Vocês não sabem o terror que passo ao imaginá-los na companhia de outros jovens dos quais muito pouco ou nada sei. Medo de que meus filhos sejam acolhidos por marginais e se transformem em personagens de atos ruins. Meus filhos têm família, tiveram berço, não de ouro, mas com o exemplo de luta e trabalho pelo pão de cada dia. Infelizmente isso não é mais suficiente como eram quando eu fui criança.
    A sociedade banalizou a família, a educação e o respeito ao próximo. Não há mais indignação, há o medo, o pavor. E família não é mais a mesma, a escola idem. Os meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, vendem comportamentos “socio-contemporâneos” que não carregam consigo o mínimo respeito pelo próximo. A sociedade brasileira vive hoje o ápice de sua barbárie. Os frutos desse “modus vivendi”: Brunos, Nardonis, traficantes, enfim, a criminalidade, a maldade e a falta de educação com a qual convivemos diariamente.
    Minha esperança se baseia no fato histórico de que já tivemos sociedades que já fizeram coisas muito piores aquilo que vemos nos dias de hoje e evoluíram. A sociedade inglesa à época da revolução industrial se comportava de maneira muito semelhante. As ruas de Londres cheiravam a sangue e os Jacks Estripadores da época viviam à solta. Quem sabe não resgatamos nossos valores? Quem sabe não nos sentimos como a presa que de tão acuada vê na revolta com a situação sua única saída? Quem sabe não enfrentamos este mal com a força que temos e viramos mais uma vez esse jogo no qual somos os atuais derrotados?
    Iata, Zé Roberto, lá aqui em casa eu faço o meu papel. Espero gerar pais e mães melhores que eu, para que meus netos possam sair à rua com mais tranqüilidade.

    Abraços

    Eduardo Tenório

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