Taí o que você temia!

Não era exatamente assim que Januário de Oliveira, em 1995, durante o Octogonal decisivo do estadual carioca de futebol, abria os jogos nas transmissões ao vivo da RedeTevê ao lado do Gerson, para todo o Brasil, quando por aqui desembarcaram Vasco, Fluminense, Flamengo e Botafogo para enfrentar nosso glorioso Entrerriense FC. O chavão, uma das suas marcas registradas ao lado do “Tá lá um corpo estendido no chão!”, era proferido quando a bola rolava: “Taí o que você queria!”. Sim, todos nós, torcedores do interior, queríamos que nossa cidade tivesse futebol ao vivo, para seus torcedores  grudarem ao alambrado a admirar seus ídolos de perto. Assediá-los após as partidas em busca de uma foto.

Um autógrafo. Mas o sonho de permanecer na primeira divisão foi interrompido covardemente pela FERJ. Campeão da Divisão Intermediária de 1994, o clube carijó entrou na primeira divisão ano seguinte regida por um regulamento que previa 16 clubes divididos em duas chaves de 8. Os 4 primeiros colocados de cada grupo disputariam o Octogonal Decisivo, os 12 melhores colocados permaneceriam na primeira divisão, e os 4 últimos cairiam para a segundona. O Entrerriense foi o 8º colocado, mas deram um jeito Euricomirandiano nos bastidores e rebaixaram o clube, lhe retirando um direito legitimamente conquistado dentro de campo. Com tamanha injustiça, mergulhado em dívidas e abandonado por patrocinadores, desfez seu time, afundou-se em dívidas trabalhistas e há 18 anos está afastado do profissionalismo. Juntou-se a tantos clubes pelo interior do estado que fecharam suas portas diante da omissão e descaso da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro.

Desde então, tem sobrevivido com suas escolinhas cujos treinamentos são a toda hora interrompidos por aluguéis de shows, feiras de negócios, feirão de carros usados. Sua histórica grama esmeralda  tem bravamente lutado para renascer do álcool derramado, poderosos gritos da Anita e berros da Claudia Leite pedindo a todos que tirem os pés do chão, para depois afundá-los com sua histeria. Sonhando talvez em ter um dia as chuteiras do Dago, Cadão, do Simão e do Quarentinha de volta, últimos craques a irradiar seus domingos de alegria. Ontem, quinta-feira, as portas do Estádio Odair Gama e  suas ilustres esmeraldas receberam um novo e ilustre intromissor. Um circo. Estréia nesta sexta e já compramos ingresso para levar nossos filhos e netos. Um dia, sonhei em repassá-los uma bela história futebolística iniciada por meu pai e seguida por primos, conterrâneos e irmãos. Mas não será possível. Mesmo trocando os artistas de palco, guardo uma certeza: quando as cortinas se abrirem e o locutor oficial receber seu respeitável público com um espetáculo diferente da lona com que foi erguido, todos na platéia saberão por aqui quem são os verdadeiros palhaços que nos trocaram de circo. Estarão, no mesmo horário, reunidos numa confortável sala em sua sede no Rio de Janeiro, cada vez mais distante dos anseios do futebol do interior do estado.

Cada vez mais ausentes dos que precisarão recorrer a um pacote Sky, um boteco da esquina que o assinou para continuar amando e assistindo uma paixão nacional enraizada ,amada e idolatrada,  mas que parece impotente a  enfrentar , nos gramados e picadeiros,  malabaristas de privilégios,  mágicos de regulamentos, eternos picaretas.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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