O CELIO DE BARROS É NOSSO

 

O professor Carlos Alberto Lancetta, presidente da Federação de Atletismo do Rio de Janeiro, ex-atleta, preparador físico de atletismo e futebol, é o principal responsável pela reconquista do estádio de Atletismo Célio de Barros, onde correu, treinou e viveu parte de sua vida. Viu atletas em formação, gente se consagrando, recordes de todos os tipos e eventos que marcaram a principal praça de atividade do gênero no Rio. A saga do Célio de Barros marcou sua vida.  Emociona em alguns momentos, quando fala de sua luta para devolver o espaço que serviu para formar grandes atletas, que poderá ser importante na fase de treinamento para a Olimpíada de 2016.  Um erro que poderia ter custado caro para o País,  corrigido em boa hora pelo governador Sergio Cabral.

– Sem dúvida, o estádio Célio de Barros está para o atletismo como o Maracanã está para o futebol, é o maior templo do atletismo sul-americano, foi a primeira pista de 400 metros no Brasil e no continente, inaugurada depois da Olimpíada de Helsinque, já que as pistas tinham 500 metros. O estádio foi inaugurado em janeiro de 1954, depois teve a primeira pista sintética, inaugurada em novembro de 1974, um tartan, vindo da Alemanha, também novidade na America do Sul. Como marco sagrado do nosso atletismo a gente pode citar que o único recorde mundial quebrado no Brasil foi no Célio de Barros, em 1981, nos 800 metros, quando Joaquim Cruz fez 1,44,03 para três anos depois, na Olimpíada de Los Angeles, se tornar campeão olímpico e bater o recorde do mundo nos 800 metros. Isso sem falar em Adhemar Ferreira da Silva que se transferiu do São Paulo para o Vasco da Gama para ganhar a segunda medalha de ouro em Melbourne, em 1956, treinando na pista do Célio de Barros, recém-inaugurada, onde ele fez toda a preparação. Além de Adhemar, passaram pelo Celio de Barros João Carlos Oliveira, Maurren Maggi, Nelson Rocha dos Santos, Altevir Araujo, Robson Caetano, Arnaldo de Oliveira, entre muitos que se poderia citar.

FOI UMA VITÓRIA PESSOAL ?

Eu cheguei no Célio de Barros com 12 anos, em 1960 e até hoje frequento o estádio, ausente em alguns momentos por questões profissionais com o futebol mas sempre estive presente nas competições porque o atletismo foi o esporte que sempre pratiquei, que me deu condições de me tornar conhecido, me proporcionou participar de duas olimpíadas, três mundiais, três Pan-Americanos, três Universiadas e depois como preparador físico participar de duas copas do mundo de futebol, de 1986 e 1998, preparando as seleções do Iraque e da Tunísia. O fato de demolir o Célio de Barros nos trazia uma tristeza muito grande pois foi ali que aprendi com grandes mestres, depois pude passar meus conhecimentos a outros atletas, enfim, tudo aconteceu ali, no Célio de Barros. Seria um crime contra o esporte, o atletismo nacional e sul-americano. Essa decisão sábia do senhor governador em que ele acatou as nossas reivindicações e garantiu que conservaria o Célio de Barros em pé, veio trazer uma alegria muito grande a todos os atletas, inclusive Joaquim Cruz, que mandou uma carta dos Estados Unidos, pedindo ao governador que não demolisse o estádio, por conta do que ele representa para ele e para outros atletas.

EM ALGUM MOMENTO TEMEU PELO PIOR ?

– Sim. Porque desde o início nos incorporamos a esse movimento fizemos um manifesto, no site da Federação, que teve mais de mil acessos e cada pessoa externou democraticamente sua opinião e levamos esse manifesto, em mãos, numa audiência pública, no Galpão da Cidadania, na Gamboa, onde estavam vários secretários, inclusive Marcia Lins, do Esporte. Posteriormente procurei a secretária, falei sobre nossas preocupações e tive dela a garantia que nada seria feito sem que a Federação, os atletas, pessoas interessadas na preservação do estádio, fossem ouvidos.  Isso foi no início de dezembro. Dia 15 fizemos a festa de encerramento do ano da Federação e fui questionado sobre o que seria feito do Célio de Barros. Falei da promessa que ela fez.

ESTAVA GARANTIDA A MANUTENÇÃO DO ESTADIO ?

– Aparentemente sim, mas para a nossa surpresa, no dia 9 de janeiro fomos proibidos de entrar no Celio de Barros e foram iniciadas as demolições. Demoliram a torre de controle, de cronometragem eletrônica, sem que pudéssemos tirar nossos equipamentos, serraram a gaiola, um equipamento importado, derrubaram o placar eletrônico, aterraram a pista sem que pudéssemos tirar mais de mil metros de cabeamento que permitem conectar à pistola para dar a partida. Foi triste e chegamos a pensar no pior, já que as autoridades políticas não nos ouviam. Em abril, a dois meses da Copa das Confederações, eu estava com uma limitar da Defensoria Pública do Estado, e entreguei ao Coronel Miranda, que era o representante do Comitê Organizador Local da Fifa, para que não continuassem com as demolições porque existia a possibilidade do tombamento e ele foi categórico em dizer que tinha ordem da Casa Civil e ia derrubar tudo. Procurei a delegacia policial para registrar um BO (Boletim de Ocorrência) dando conta das perdas materiais que haviam sido comprados para os Jogos Pan-Americanos de 2007, em que o Ministério dos Esportes repassou esse material para o COB, que o repassou para a Confederação Brasileira de Atletismo e muita coisa foi remanejada mas a maior parte ficou no Rio e eu sou fiel depositário desse material que está patrimoniado e muito material foi perdido e não tive dúvida em fazer a queixa-crime. Foram necessárias três liminares

A QUEIXA ERA CONTRA QUEM ?

– Contra quem estava demolindo o estádio, destruindo o material ali depositado. Essa queixa foi encaminhada ao Ministério Público que o encaminhou à juíza que havia concedido a liminar e ela imediatamente suspendeu a obra. Outras ações foram movidas e o governo estadual não teve como cassar a última liminar, que foi a terceira. A partir daí nos movimentamos usando como argumento o valor histórico de tudo que havia sido conquistado pelos atletas nacionais e encaminhamos um documento ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) porque o IPHAN estadual havia destombado um patrimônio anteriormente tombado pelo IPHAN nacional e a gente questionava se o estadual poderia se sobrepor ao nacional. Por conta disso, o IPHAN mandou que as obras fossem suspensas e deu um prazo ao governo do Estado (até 8 de agosto)  para que fossem avaliadas as solicitações da Federação e do Ministério Público da União, através do Dr. André (da Defensoria Pública), que nos apoiou em todos os momentos, nós sabemos que o IPHAN não vai permitir a construção dos edifícios garagem, mesmo que não haja o tombamento definitivo, que acreditamos que será feito,  que foi prorrogado por mais 60 dias, temos essa informação vinda de Brasília,  da presidenta do IPHAN nacional, Dra. Jurema,  pra que haja definitivamente o tombamento do Julio De Lamare, do Célio de Barros e da escola Friedenreich.

VEIO APOIO DE ALGUM LUGAR ?

A conquista foi muito árdua. Minha família acompanhou todo esse processo, meu filho, minha filha pediam para eu largar tudo, que não tinha autoridade para ganhar a briga. Na verdade não tivemos apoio de quase ninguém. Foram poucos os abnegados.  Os atletas de nome, como Robson Caetano e Arnaldo de Oliveira, por questões profissionais, não puderam nos apoiar, e seria um peso significativo, porque estão envolvidos com a Caixa Econômica, COB e Confederação. Em momento nenhum o Comitê Olímpico Brasileiro se pronunciou, a favor ou contra, pelo contrário, quando houve a visita de um membro da IAAF (Associação Internacional de Federações de Atletismo) , que também foi provocada por nós, o Comitê Olímpico levou essa pessoa à sua sede, na Barra da Tijuca e mostrou o projeto que seria realizado após a demolição do Célio de Barros. A Confederação apoiava, de forma discreta,  a sua afiliada, o Comitê Olímpico jamais se pronunciou a favor e os grandes expoentes do nosso esporte  a gente só pode contar mesmo com Nelson Rocha, que foi campeão mundial de revezamento dos 4×100, único atleta do Rio que nos deu suporte.

NÃO HOUVE APOIO DOS ATLETAS EM ATIVIDADE ?

– Ah, sim, para compensar tivemos grande apoio da Maureen Magi, Vanderlei Cordeiro de Lima, Joaquim Cruz, que mora nos Estados Unidos mas se manifestou desde os primeiros momentos contra a demolição, a favor da nossa luta. Tudo isso foi levado às duas reuniões que tivemos com o governador Sergio Cabral e sua equipe e depois na reunião com a concessionária que ganhou a licitação para administrar o Maracanã e com a ajuda de Deus a gente conseguiu sensibilizar essas autoridades para que não demolissem o Célio de Barros. O objetivo maior era o Célio de Barros porque ele ocupa uma área de 25.000m2. Quando o governador (Sergio Cabral) anunciou que não haveria mais a demolição do De Lamare eu me senti fortalecido através de um argumento que tinha levado a ele. Perguntei porque somente haveria  a demolição do Célio de Barros. Depois eu entendi, porque o De Lamare só tem 6.000m2 de área de competição e o Célio de Barros tem 25.000m2.  Com o espaço do Célio de Barros ele amenizaria o problema da empresa e satisfaria o pessoal da natação.

COMO CONVENCEU O GOVERNADOR ?

– O que argumentei foi que o pessoal da natação tem o Maria Lenk (Parque Aquático na Barra) e vai destruir o Célio de Barros que não tem nada, não temos outro local. Não discuto a importância do Julio de Lamare, é importante, sim, mas a natação tem essa opção, o atletismo não tinha para onde correr. Houve a promessa de que me entregariam um novo estádio, em três, quatro meses, mas eu disse que o Célio de Barros é inegociável e não seria com a minha aprovação que eles iriam demolir o estádio. O que tenho a dizer é que, de uma forma amigável,  um relacionamento pacífico, eu fiz ver ao governador Sergio Cabral e sua equipe e os representantes da concessionária, que não havia a menor possibilidade de qualquer tipo de negociação e para nossa felicidade nos foi dito, na segunda reunião, que o estádio Célio de Barros não seria mais demolido e que ele seria recuperado, até pelo valor histórico e foi assim que aconteceu.

ESSA VITORIA TE MOTIVA A PERMANECER NA FARJ ?

– Eu pretendia, na última eleição, passar a presidência da Farj porque sou contra o continuísmo no esporte e os clubes me pediram, unanimemente, que eu permanecesse por mais um mandato.  Por conta dos problemas que a Federação estava e vem passando, seria covardia da minha parte num momento de tremenda dificuldade. O momento não é fácil e por conta dessa situação eu aceitei permanecer  mais quatro anos, mas sem duvida e saiu e vou tratar da minha vida.

QUE LEGADO VOCÊ DEIXA NA FEDERAÇÃO ?

– Nós tivemos que fazer uma trabalho para deixar a situação financeira estável, fizemos o que estava ao nosso alcance, dentro das dificuldades que todos conhecem e podemos comemorar o resultado de um trabalho social da maior importância que é a inclusão de 50 jovens que são encaminhados pela Dra. Monica Labuto, da Primeira Vara da Infância e Juventude de Madureira e muitos deles já tiveram oportunidade de viajar com a seleção brasileira para eventos a nível sul-americano, muitos estudam em colégios particulares, foram inseridos na sociedade e estão vivenciando o outro lado da vida, como estão fazendo.

DÁ TEMPO DE FORMAR UM CAMPEÃO ATÉ 2016 ?

– Não existe isso. Sei que foi dito isso por um político, mas deixa eu explicar. O ciclo atlético, para fazer um atleta de ponta, são necessários de oito a onze anos de formação. Normalmente esse início, no atletismo,  se dá aos 10, 12 anos, e com 12 anos de formação o sujeito atinge a forma atlética entre 24 e 28 anos. Então, os atletas que deverão representar o Brasil em 2016 eles deveriam ter começado a treinar em 2004. Ninguém faz um campeão da noite pro dia. Há exceções, claro que existe, mas é raro no atletismo.

CITE UMA EXCEÇÃO

– Tivemos aqui mesmo o exemplo de João Carlos Oliveira, que foi três vezes campeão do mundo e, por coincidência eu era treinador dele nessas conquistas, na seleção. João do Pulo apareceu com 16 anos, em 1962 e três anos depois bateu o recorde do mundo, no México, Pan-Americano.  Há exceções, mas a regra básica exige no mínimo de 8 a 12 anos de formação. Nós temos uma safra boa de atletas,  principalmente nas provas de velocidade intensa, 100 e 200 metros, no setor feminino, com a Franciela,  Ana Claudia, Evelyn, que é filha do Nelsinho e a Rosangela dos Santos. É um quarteto que, se derem a devida importância e o cuidado necessário poderá conquistar uma medalha na Olimpíada. O Altenir, um jovem que já foi semifinalista, que precisa de apoio, continuidade no trabalho porque tem qualidade, mas tem um lastro pequeno, o Duda, Marcos Vinicius, um saltador em distância, que já foi campeão mundial indoor, oitavo em Londres e fatalmente será finalista e fará sucesso em 2016, aqui no Rio. Não acredito em sucesso nos saltos horizontais (salto em distância e salto triplo) e nas provas de velocidade.  Nas outras provas não temos tradição, como os africanos, nas grandes distâncias, onde são imbatíveis.

NENHUMA CHANCE EM OUTRAS PROVAS  ?

–  Nos saltos verticais (altura e com vara) a gente tem uma escola boa, principalmente no salto com vara, com o trabalho que é feito pelo Elcio Miranda que se especializou com o treinador ucraniano que treinava a Isinbayeva, mas não tenho esperança que a Fabiana Murer possa ser finalista em 2016 no Rio, porque chegará na Olimpíada com 35 pra 36 anos, o que foge frontalmente de todas as estatísticas e resultados conseguidos para essa prova, de velocidade e força explosiva, que se atinge o clímax entre os 24 e 28 anos. Depois dos 28 anos o homem perde velocidade e força em consequencia perde o rendimento. Não estou dizendo que ela não vá participar da Olimpíada, mas as chances de ser bem sucedida são bem menores que em Londres, em Pequim.  Se o Brasil ganhar 2 ou 3 medalhas estará de bom tamanho, mais que  isso, pra mim será surpresa.

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