UMA COTA PARA JOGAR NO FLAMENGO

 

Meu sonho sempre foi jogar no Flamengo. Desde menino admiro os pôsteres e as medalhas que meu pai, Zé Roberto, ex-ponta esquerda do clube, carregava junto com nossas intermináveis mudanças. Especialmente aquele em que está ao lado do Zico, do Luizinho e do Junior. Como tricolor, deu-me de presente uma camisa  do clube quando nasci, acho até que minha mãe me vestiu um dia, só que ela nunca deu liga. Por livre e espontânea vontade jamais a coloquei, dizia pra ele que nossa espécie deveria evoluir – e mantive a tese rubro-negra mesmo depois do gol de barriga do Renato Gaúcho, um baita trauma que sofri quando tinha apenas 10 anos. Mas no lugar de me deixar jogando bola o dia inteiro, como fazia quando menino, para exercer a habilidade, aprofundar o dom e a vocação de família, matriculou-me, após o colégio, na Cultura Inglesa.


À noite tinha que ir pra FAETEC aprender informática. Não levou-me para fazer testes na Gávea, mesmo tendo jogado ao lado do Andrade e do Adílio, muito menos em Xerém, onde conhecia todo mundo. Tinha medo que passasse as dificuldades que viveu após 17 anos de bola, onde o legado maior foi operar 4 vezes os meniscos, fraturar os dois tornozelos e não ter conseguido sua aposentadoria. Teve, como todo ex-jogador de futebol, que sair no vazio da sociedade em busca de mais 20 anos na carteira fazendo o que ninguém se prestou a ensiná-los. Mesmo assim, joguei futsal quando podia, e fui artilheiro de todas as competições em minha cidade, Três Rios, interior do estado do Rio de Janeiro, do Mirim ao Juvenil. Quando tinha brecha entre os simulados no Colégio Rui Barbosa, dava uma corrida no Entrerriense FC e jogava campo.


Aí veio o vestibular, a Faculdade, as provas da OAB e meu sonho foi ficando cada vez mais longe. Ao mesmo tempo, sem outras opções ou traumas familiares, em diversas periferias, em campos de terra batida em terrenos esquecidos, Diegos Maurícios, Muralhas e Neguebas faziam o que queriam, perdiam aulas nas suas escolas públicas, ridicularizadas pelo ENEM, para treinar e jogar nas divisões de base do Flamengo. Tiverem, em campo, o espaço que só obtive na universidade, e, hoje, são meus ídolos, mas poderiam ser meus companheiros de clube. Mas percebendo, no ultimo Fla-Flu, que dos titulares do meu time 10 são negros (apenas o Thiago Neves é branco, além dos importados chilenos e argentinos – o Maldonado não vale,  é genro do treinador) resolvi escrever e pedir aos nossos parlamentares, especialmente os da bancada da bola, que aprovem cotas para que nós, jogadores de futebol brancos, possamos ingressar no time do Flamengo.


Se graças a este eficiente e justíssimo sistema de reposição de oportunidades tive a honra de conhecer raros advogados negros no Fórum, admirar nosso ministro do STJF, Joaquim Barbosa, por que o futebol não retribui a equidade e a gentileza? Além de ter acesso ao Ninho do Urubú para provar a minha nação que posso marcar os gols que o Deivid anda perdendo, tenho certeza que tais cotas vão dar oportunidade aos filhos dos ídolos que não puderam dar sequência à saga, principalmente porque trocaram sua liberdade de jogar bola por uma imperiosa, talvez obsessiva, necessidade de qualificação.

 

Bruno Fonseca Padilha

Bruno é filho do ex-ponta esquerda Zé Roberto, do Fluminense, Flamengo e Santa Cruz, entre outros clubes brasileiros, atualmente Secretário de Esportes de Três Rios e jornalista.

One thought on “UMA COTA PARA JOGAR NO FLAMENGO

  1. Nao entendi. O Sr. Padilha quer a criacao de uma cota para “filhos de jogadores de futebol brancos” possam jogar no Flamengo? Isso porque, segundo o Sr. Padilha, ele teve que frequentar uma escola, curso informatica e cultura inglesa, enquanto jogadores negros, nao tiveram esta terrivel obrigacao? Sinceramente nao entendi o artigo. Derrepente o Sr. Padilha quis fazer uma piada que eu nao entendi. Se no entando, o Sr. Padilha realmente credita o fato de o seu sonho nao se concretizar porque brancos tem que estudar enquanto negros se divertem em campos de terra batida, o Sr. Padilha foi muito infeliz no seu artigo.

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