Pior
O que a Brahma está fazendo com nosso futebol é calçar luvas nos alunos de uma escola de piano, para subtrair-lhes a extensão dos acordes de uma sinfonia. Já imaginou, luvas em escolinhas de basquete, para roubar do Marcelinho o tato que calcula peso e distancia, em milésimos de segundo, o segredo dos 3 pontos? Teria o futebol brasileiro o direito de se meter na sua consagrada fórmula, plantar o seu malte, colher o seu lúpulo, dizer com que cristalina água será servida e depois acender o refletor para servir uma cerveja azedada na tulipa? Será que ela continuaria a ser a nº 1 se Wanderely Luxemburgo, Tite, Muricy Ramalho escalassem seus produtos e treinassem sua produção?
A Brahma, depois que virou multinacional e exportável, se associou a FIFA. Aquela mesma entidade que padronizou os estádios de futebol com o intuito de perpetuar a mesmice. O lance comum, não a caneta inusitada. O chute reto, não o voleio enviesado. O previsível cruzamento escocês sobre a área, não a bicicleta inesperada do Leônidas. O elástico de Roberto Rivelino. Se você abrir os olhos rapidamente em nossas arenas, ex-estádios, não saberás dizer se está em Munich, Roma, Barcelona ou Paris. Primeiro, investiram nos cartolas e empreiteiros, que acabaram no lava-jato, agora vão cobrir os pés dos garotos com chuteiras Adidas, trocar o piso onde a diversidade encontrou abrigo para deixá-los fora da linha da pobreza. E dar ao mundo a maior matéria prima que o futebol já concebeu. Em suma: uma cerveja se mostra importante quando despejada na taça-tulipa após um título alcançado. Mas azeda quando surge nos intervalos das partidas a cobrir palcos naturais com a frieza de um gramado sintético. Dela, grama sintética, diante de sua beleza estética, será erguida uma geração sadia, sem calos, mas tão previsível com a bola nos pés quanto o futebol inglês. Quando sua limitada seleção entra em campo, durante 90 minutos vai desaparecendo no imaginário dos torcedores o sonho de um novo drible. Uma nova jogada inventada pela diversidade descalçada. Só daí, nas comemorações, seria alcançado o prazer de uma Brahma. Bem gelada.
José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.