Sem arte, narrar é um desastre

Voltei de viagem escutando o FlaxFlu pelo rádio. Quanto tempo não desfrutava deste prazer. O futebol carioca no meu tempo era narrado por Waldir Amaral, Jorge Curi e José Carlos Araújo. Comentado por Luis Mendes, Rui Porto, com entrevistas na ponta das chuteiras que produzia a arte que encantava multidões. Como os “apolinhos” Washington Rodrigues, Kleber Leite, os comentários de Iata Anderson,  reportagens de Denis Menezes e Raul Quadros. Era tanta magia que dia seguinte não tinha vez para colunistas, eram literatos e dramaturgos que assumiam as redações para traduzir o espetáculo da tarde anterior: João Saldanha, Nelson Rodrigues, Sandro Moreira, José Ignácio Werneck, Sérgio Cabral. Para cada jogada de Pelé, uma crônica de Armando Nogueira. De tão alto o nível, da bola e do microfone, que as rádios varavam a madrugada em resenhas infindas. Reproduzindo os gols e sua versão sonora do mesmo quilate. Havia uma generosa cumplicidade entre o jogado e o narrado.

Mas quem estava narrando a partida era o Edilson Silva, pela 91,1 FM. Pobre coitado, não havia nada em campo a inspirá-lo. Primeiro, marcar um FlaxFlu longe do Maracanã é como convidar a Orquestra Sinfônica Brasileira para se apresentar em Barretos, no intervalo dos seus rodeios. Não combina. Nos acordes desencontrados do seu limitado meio-campo, não mais havia no Pacaembu  solistas como Carlinhos e Nelsinho. Quem carregava o trombone do Flamengo era Cuéllar, Arão e Éderson. Do outro lado do palco, o Gérson do Flu não era o canhotinha de ouro, e o Pierre não teve a sorte de ver o Denílson, o Rei Zulu, vestir aquela camisa 5 e desarmar o adversário com uma classe que encantava multidões. Diante deste quadro desolador, de passes errados e falta de criação, não havia como gerar clássicos como “Pimba na gorducinha!” , “Tá lá um corpo estendido no chão!”, “Pelo amor dos meus filhinhos!”.  O máximo que o locutor conseguia tirar da partida eram bordões de igual falta de inspiração:  “Gostosa, gostosa, gostosa!” “Lepo, lepo!” “Pra fora, pra fora, pra fora!”.  De tão fraca a transmissão, que traduzia a ruindade da partida, minha esposa ao lado desabafou: “-Mas que coisa chata!. Tira desta rádio!”. Antes, expliquei, precisamos trocar o futebol.

Só não troquei de rádio porque nenhuma outra pegava na serra. E tinha alguém na transmissão tentando salvar as ondas curtas que naufragavam: Ronaldo Castro. Cobra criada em meio as feras citadas, destoava com comentários precisos, emoções e decepções narradas no tempo certo, mesmo quando ela se ausentava nas arrancadas inúteis do Cirino, nas substituições infrutíferas tentadas com Gabriel e Marcos Junior.  Mas quando a bola bateu na mão do Juan, me deu uma baita saudade  do Mário Vianna, com dois enes, que berraria assim: “Lá mano! Lá mano!”.  Mas igualmente sem emoções  soou o comentário de Daniel Pomeroy, ao  explicar o lance e jogar de vez um balde frio naquele zero a zero: “-Foi mão. Se foi dentro da área, foi penalty!”. Estava mesmo na hora de desligar.

Sem a trilha sonora das grandes vitórias (thcan! tchan! tchan! tachan!) as transmissões de Galvão Bueno perderam o tchan quando nossos pilotos deixaram de subir ao pódio da F1. Ernani Pires Ferreira, então, parou de entrar ao vivo no Faustão quando Much Better não mais surgia na reta oposta. A culpa não é da nova geração que transmite, mas da atual geração que mal se  apresenta, pouco   se aproxima, dos gênios que inspiravam a arte de outrora.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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