SE A PRÁTICA DA CHACOTA COM A INTELIGÊNCIA HUMANA DESSE UM ANO DE CADEIA, ALGUMAS PESSOAS DA CRÔNICA ESPORTIVA TERIAM QUE TER MAIS DE MIL VIDAS PARA PAGAR A DEVIDA PENA!!

Discutir sobre futebol implica entrar num terreno tão pantanoso e insalubre para a nossa saúde mental, por menor que ela seja, que penso que seja mais sensato e tranquilo discutir coisas como religião, guerra e a qualidade do Axé Music. A tal empreitada seria muito menos arriscada.

Mas num país como o Brasil até as questões mais óbvias são contestadas. Estamos num país onde a clareza e a simplicidade são motivos de repulsa, onde ser direto e lógico é comprar briga com um monte de gente. Onde até o resultado de 2 + 2 é capaz de suscitar controvérsias, querelas, quando não de pedir ajuda aos “universitários”…

Escrevo toda essa introdução para tocar num ponto que me parece inacreditável e que ainda teima em botar a cara no cenário público desse país, em especial na sua crônica esportiva.

Como se não bastasse a indigência de nosso campeonato brasileiro, ou melhor dizendo, o futebol (sic) apresentado pelas agremiações nos relvados nacionais, alguns agentes ainda perdem tempo discutindo sobre a pertinência do que eles chamam “fórmula de disputa do campeonato”.

Nem vou entrar no mérito de tal expressão, mas na patologia evidenciada por uma tentativa tão bizarra e inescrupulosa em desviar o foco e tratar de uma questão que em nada colabora para a solução do esporte no país e – pior! – ainda expondo nossos neurônios a um espetáculo tão crasso de boçalidade gratuita.

É lamentável, mas ainda temos de ouvir: “ – O campeonato está chato porque o Cruzeiro disparou e isso é culpa de um campeonato de pontos corridos”.

Abrindo um parênteses: você, caro leitor, acha que a atrocidade, o desrespeito, a truculência contra a lógica e o bom senso acabou? Não nã ni nã não…. Tem mais. Mas vou aliviar, se vocês não confiam tanto no seu estômago pule as próximas 7 (sete)  linhas. Ok?

 Bom, para os mais fortes, vamos lá. Outras afirmações do bestiário esportivo:“ – O pontos-corridos(sic) não traz emoção, ao contrário do mata-mata.”“ – A fórmula de pontos corridos só interessa à televisão e à CBF, mas não ao torcedor. Ele não quer saber de pontos-corridos!”

“ – A fórmula do pontos corridos(sic) é ultrapassada, chata, causa distorções. Se um time disparar, perde a graça. Ninguém mais sai de casa. Acaba todo o interesse. Isso não acontece com o mata-mata”.

Ufa, chega!

Não vamos tentar encontrar uma lógica em tanto disparate. Basta que confrontemos a esse emaranhado de frases sem sentido e sem base alguma na realidade (a não ser numa mente ocupada por um miolo mole), umas poucas e singelas indagações.

Por que será que os países do mundo inteiro – exceto o Brasil – insistem em realizar seus respectivos campeonatos nacionais sob a fórmula de pontos corridos? Como eles conseguem realizar campeonatos mais atrativos e com maior média de público do que a fabulosa(risos) e emocionante(rindo alto) Copa do Brasil ou os campeonatos estaduais, quase todos disputados em regime de mata-mata, em sua totalidade (o primeiro) ou na fase final (os segundos)?

Mas a brilhante e brava mente que defende os mata-matas deveria replicar: Ah, os ingleses, alemães, espanhóis e mexicanos abarrotam seus estádios porque adoram, são fanáticos, morrem de tesão por campeonatos insossos, modorrentos, murrinhas, chatos e sem nenhuma emoção. Por que países tão desenvolvidos – ao contrário do Brasil – praticam essa fórmula a mais de 100 anos, com sucesso e popularidade crescentes?

 Por que eles insistem com algo tão chato, que provoca tanto prejuízo? E que mistério explica o fenômeno de milhões de pessoas saírem de suas casas rumo a estádios para ver jogos tão chatos e sem emoção? Por que o Brasil é o único inteligente nessa história? E por que a sua inteligência causa tanto prejuízo?

Ué, e os campeonatos de mata-mata no Brasil, por que vivem com estádios às moscas? Por que os campeonatos do Amazonas, Brasília e Mato Grosso têm uma média de menos de 800 pagantes? Por que mesmo em grandes centros como Rio e São Paulo temos estádios desertos, com 100, 200 pagantes ou nem isso? Ah, por que os brasileiros não gostam de campeonatos com muita emoção?

Veja a que absurdo somo levados a argumentar se levássemos uma vírgula a sério de quem defende uma loucura dessas. É impressionante que uma mente como essa possa brincar assim com a nossa inteligência. Pior: é realmente inacreditável que elas tenham a oportunidade de ter um microfone e sair berrando isso aos quatro ventos, com total impunidade.

Outra conseqüência dessa argumentação: o Cruzeiro dispara na liderança, e vários times tradicionais se encontram em situação para lá de vexatória na parte debaixo da tabela por conta da fórmula de disputa.

Cuma? É isso mesmo minha gente. É isso o que vocês acabaram de ler. Vocês podem estar se perguntando: quem é louco de imaginar algo tão grotesco assim? Respondo: num país como o nosso, uma mentalidade dessa consegue ser formador de opinião.

Aqui nesse país, tudo é possível. Inclusive algo pior do que nada. Vejam que a péssima campanha de uns e a grande irregularidade de outros não se deve a péssimas condições de estrutura, às criminosas e calhordas administrações que devastaram com muitos dos clubes, às vendas de jogadores no meio do campeonato, ao calendário desumano que esfalfa com os jogadores, à falta de profissionalismo, ao amadorismo crônico e patológico dos cartolas e managers; não!, tudo isso se deve a um outro fator.

As inúmeras partidas e jogos de péssima qualidade, de uma indigência técnica de causar pavor até em cego não se deve a jogadores abaixo da crítica, a precária (de)formação desses boleiros na base dos times, à falta de estádios e centros de treinamento (algo que dá nojo à muita mente brilhante nessa terra…) ou às estratosféricas dívidas dos clubes. Então, quem é o culpado? Hein hein hein hein hein????

Tudo isso é culpa dos PONTOS CORRIDOS!

Para sorte desse tipo de mentalidade, a defesa do mata-mata não constitui atentado ao pudor e nem a dignidade humana. Mas bem que merecia…

Leonardo Soares é historiador e professor da UFF.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *