RAZÕES DE UMA INVENCIBILIDADE

Com poucos recursos, o Vasco apostou desde o ano passado na contratação de um jogador que não está à venda em nenhum clube. Para obtê-lo, pouco importa se a janela européia está fechada ou aberta. Muito menos, ele pode ser adquirido em um troca-troca ou a imprensa criticá-lo pela idade avançada. Seu nome: entrosamento. Nem por isto seu preço é baixo no mercado esportivo, para obtê-lo foi preciso enfrentar a ira de sua enorme torcida que queria a cabeça até do Almirante após a derrota de 6×0 para o Internacional. E aberto o inevitável caminho para o rebaixamento.  Para obtê-lo e estar, hoje, a muitos jogos invictos e disputando o bicampeonato carioca, foi preciso nadar na contramão da mesmice.

Primeiro, manter o treinador após uma pancada daquelas. Jorginho e Zinho formam uma admirável dupla de ex-atletas corretos profissionalmente, poucas vezes expulsos de campo e que nunca deram trabalho aos seus treinadores. Podem se impor ao geupo como exemplos, ter moral para pedir seriedade e disciplina, ao contrário de medalhões espertos que fugiam da concentração para ir ao encontro das suas Marias Chuteiras. Que  passavam mais tempo de chinelinhos no departamento médico, suspensos pelo milésimo cartão amarelo do que jogando. E que após assumirem a direção de um clube de futebol distribuem bíblias nos vestiários  achando que suas santas páginas vão apagar a lambança das que escreveu jogando.  Segundo, manter o elenco, mesmo diante das suas visíveis limitações.

Já fui um dia figurinha de álbum de futebol. Não carimbada, é claro. Fotografado para o álbum Panini do carioca de 1976, cansei de passar por torcedores do Flamengo irritados de tanto “bater na minha cara”. As minhas, do Jaime, do Toninho, Rondinelli e do Cantarele vinham aos montes no pacotinho, e cadê que saia a carimbada do Zico para eles fecharem o álbum? Só era possível sua confecção porque o torcedor, o treinador, a imprensa sabia o seu time de cor. O escalavam com os olhos fechados. Hoje, o único time carioca que consigo escalar é o do Vasco. Nem do meu Fluminense ouso tentar, como saber  quando é o Magno Alves, o Osvaldo ou o Marco Júnior que começam jogando? A zaga, então, é um enigma dos horrores, nem Osvaldo de Souza ou Mãe Dinah ou Alfred Hitchcock ousam opinar?

Jogando a todo tempo juntos e sabedores de suas limitações, Rodrigo chega forte e dá chutões, Luan faz corretamente suas coberturas, o novo lateral direito usa sua juventude e o esquerdo a sua experiência. Marcelo Mattos marca e não tenta nada mais do que não sabe, o paraguaio cobre as subidas do Mádson, o Andrezinho joga o seu correto feijãozinho e o Nenê puxa a bola para lá e para cá e se joga buscando uma faltinha. E todos vão para a área esperar uma falha do Jéferson. Na frente, Jorge Henrique tem sido o melhor do time e o Ryascos… bem, Ryascos é um risco até para ser analisado.  É pouco, mas é constante. Estão no mesmo lugar, se doam muito e socorrem o colega ao lado. São humildes e se superam. Quando falham, tem um ótimo guardião a consertá-las: Martin Silva. Não são capazes de empolgar nem as caravelas de Cabral, mas se nestes navios negreiros seus porões se entrosassem, como o time do Vasco, certamente haveria revolução, não escravidão, na chegada ao porto seguro onde o futebol  conseguiu  libertar meia dúzia.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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