OBRIGADO NEGUEBA

Quando defendi o Flamengo, em 1976, depois de muitos anos carregando a bandeira e outros tantos defendendo meu pó-de-arroz, estava ansioso sobre como me comportaria do outro lado. Uma coisa era jogar por amor à camisa, outra assinar um contrato, sair dos sonhos e entrar na realidade da profissão. Não era uma tarefa fácil para quem entrou no infantil e saiu formado, oito anos depois, na equipe de cima nas Laranjeiras. 

Mas quando me dirigia no ônibus da delegação rubro-negra rumo ao Fla-Flu do troca-troca (1×1), da nossa concentração em São Conrado até o Maracanã, ao passarmos pela Rocinha notei, pela janela, a quantidade de gente de vermelho e preto que se aglomerava para ir ao jogo. Mais que em busca de uma vitória, era esperança mesmo, como uma religião, com fé, um bálsamo, o reconforto que iam atrás para amenizar tamanha desigualdade. Corri tanto no jogo que mal notei, como não notaria nunca mais, a camisa adversária que se colocava perante objetivos tão nobres a amenizar.

Escrevo isto, Negueba, para lhe agradecer pelo seu admirável esforço no domingo. Mesmo ocupando a ultima colocação, tomando dois gols de cara e sem esboçar a menor reação, você entrou no intervalo daquela partia contra o Inter como a avisar a todo mundo que havia ali um manto sagrado a ser respeitado. Cada carrinho seu, um pique atrás do D’Alessandro, do Juan, era um reconforto para os que estavam abatidos, pelas poltronas, desolados.

Uma roda de bobos que lhe enfiavam, não era problema para quem parecia dizer ao André Santos, ao Léo Moura, que nem apoiar ou realizar coberturas se dignavam, que ali havia uma história de glória a ser preservada. Quando não com técnica, mas com raça e com garra. Que são, enfim, as marcas registradas de um dos mais queridos e amados clubes do futebol mundial.

Pobre dos jogadores rubro-negros que não sentiram o que senti naquele ônibus, que não foram criados como você desde menino na Gávea, para entender a magia daquela camisa. Sobre pele de uma significativa parcela da nossa população, quando energizada pela vitória ergue a produção. Felizes e motivados, sobem o PIB, alcançam metas, superam o superávit tão almejado pela Mirian Leitão. No país do futebol, quando o traje oficial, que em São Paulo é preto e branco, ganha as ruas e é exibido com garbo, um retrato do nosso crescimento econômico, da redução dos índices de desigualdade social, fica exposto tamanha sua felicidade.

Quando nossos meninos, que se dirigiam empolgados duas semanas atrás a todas as escolinhas, compravam figurinhas, adotavam o esporte ao ar livre, se decepcionaram quando perdemos a Copa do Mundo, não havia como evitar que retornassem, trancafiados, aos seus videogames. Deste então, pais e avós, igualmente entristecidos, não sabiam como retirá-los de lá. Mas do jeito que você correu domingo e honrou o futebol, não tive como buscar meus netos do computador, sentá-los na sala e dizer: “Venham assistir o futebol brasileiro renascer”. Muito antes de aprender a vencer, eles precisam conhecer outros valores sagrados do esporte. Como a busca pela vitória, sempre, mesmo sob a maior das adversidades, como você fez domingo. Parabéns!

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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