OBRIGADO LUCIANO

dias, mais precisamente 14 de abril de 2014, o segundo caderno de O Globo publicou em sua coluna (Há 50 anos) uma matéria sua, de primeira página: “Expectativa de grande festa amanhã. Teve calorosa acolhida a idéia do Globo de, no momento da posse do general Castelo Branco na Presidência da República, amanhã, às 16h15m, repicarem os sinos das igrejas, soarem os apitos dos trens, navios, lanchas, fábricas, as buzinas dos carros, ônibus e lotações, enquanto as emissoras de rádio e televisão tocarem o Hino Nacional”.


Passei todas as três ultimas décadas esportivas, após sua saída em 82, pois ali seria implantada uma outra ditadura, da bola, das raquetes e dos motores, torcendo para que o Luciano do Vale não retornasse para a TV Globo. Não tenho nada contra eles. Muito menos a favor. Só que o esporte, como a política, precisa ter alguém que conte o lado B da história. Aquele que não foi comprado pela embaixada americana para inflar na mídia uma ameaça comunista e apoiar um golpe. Aquele que não foi adquirido por Bernie Eclestone, para nos fazer continuar a torcer pela amanhã por modestos sub-ídolos, enquanto ele, Luciano, seguia os rastros de quem não tinha patrocínio mas tinha história. E lá foi ele nos devolver tardes de justiça acompanhando ídolos de verdade, como Emerson, que ganhou duas Indys, e as ultimas gloriosas voltas de Nelson Piquet.


Se Luciano retornasse a que se tornou a dona da verdade, acabava o futebol feminino. Mas ele e a corajosa da Band, mesmo com estádios vazios, que davam pena de assistir, cansaram de transmitir sem patrocínios campeonatos daquela modalidade. Que cresceram tanto, revelaram uma geração tão competente, apesar do descaso da CBF, que levaram a Marta a ser a melhor do mundo, além de disputarem mundiais e olimpíadas de igual para igual com alemãs e americanas.
Depois que Rivelino, Mario Sérgio, Careca, uma centena de craques foram jogados no ostracismo dos seus 35 anos, Luciano inovou com uma competição de futebol Master, que estendeu a glória, a memória, o prazer e a preservação em cena dos maiores ídolos do nosso futebol que são rapidamente esquecidos.


Com sua saída, a Globo não teve alguém disposto a bancar reverencias a Paula e a Hortência, mas Luciano tinha prazer em fazê-las. Cuidou do Oscar até o fim das suas cestas, apoiou João do Pulo nos seus dramáticos momentos, e a memória do Sócrates, a luta particular do Casagrande, só não foram esquecidas porque ele era a cara do coração, do sentimento do esporte. A Vênus platinada, a cara do bolso que interessa aos seus patrocinadores da vez.


Hoje, o país está abertamente execrando aquele momento em que o Globo pedia a população para, em júbilo, buzinar e apitar. Hoje, o país está de luto porque alguém que nunca se vendeu à mídia, sempre apoiou o esporte, jamais abandonou seus ídolos de verdade, nos deixou órfãos de continuar a ver e ouvir o lado B da nossa história. Por isto sempre torci para que o Luciano não fosse pra lá. Não suportaríamos que sua independência fosse engolida pelo Galvão, humilhada ao vivo como fizeram com Reginaldo Leme, afastada como Ricardo Maurício Prado, sugerida que se calasse como foi um dia alardeada em uma Copa do Mundo ao Rei do Futebol.


Obrigado, Luciano. Sua trajetória de luta, na contramão dos interesses que não estivessem a favor do esporte, dos seus ídolos que sucumbiriam sem sua voz e as lentes da Band, são exemplos dignos que estarão preservados em vídeos e em nossos corações. Daqui a 50 anos, poderemos revê-los, desta vez com orgulho de uma nação saudável, democrática e soberana, não mais como cúmplices de uma odiosa conspiração.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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