O TRISTE CONTO DO ABREU

Imagine você na sua empresa, com contrato vigente, carteira assinada, ter que trabalhar fora do horário do expediente porque não serves mais ao patrão e ele não pode ter mandar embora. Precisa lhe manter em forma caso outra empresa se interesse por você. Ai você chega para trabalhar e se depara com várias mesas, cadeiras e computadores vazios, apenas um vigia abre o portão e um supervisor, do segundo escalão, estará ao seu lado observando se estás mesmo trabalhando.

Caso contrário terá os motivos que precisa para lhe demitir por justa causa, abandono de trabalho, nem vão precisar pagar a multa rescisória. Não, você não está com aquela doença do filme Ben-Hur, a lepra, muito menos o vírus de Epidemia. Você apenas acaba de cair no novo conto do Abreu. Você é jogador do CR Flamengo e seu nome é Renato Abreu.

Renato Abreu, um talentoso meia-esquerda de 35 anos, 73 gols marcados, artilheiro da década da maior nação do nosso futebol, melhor jogador do Estadual 2011, bi-campeão da Taça Guanabara 2007/2011, bicampeão estadual 2007/2011, campeão da Copa do Brasil de 2006 e várias vezes convocado para a seleção brasileira, com a chegada de um novo treinador foi afastado do elenco rubro-negro.

Não colocado no banco de reservas como deveria, em respeito ao seu passado no clube, mas convidado a treinar sozinho para que seu talento como cobrador de faltas, verdadeiros mísseis desferidos ora de área, de falta, penalti ou de escanteios, não possam ser testemunhados nem pela imprensa, nem pelos torcedores.

Eu disse convidado? Desculpe-me, foi abrir seu computador durante o recesso da Copa das Confederações, e leu no site oficial do seu clube a seguinte nota “O Clube de Regatas do Flamengo acertou, na tarde desta segunda-feira, a rescisão do contrato do atleta Renato Abreu. A diretoria agradece pelos serviços prestados e deseja boa sorte ao jogador!”.

Nada mais empolgante para todos nós, brasileiros, que o futebol. Nada é mais espantosos como as injustiças cometidas por quem o dirige. Sob o pretexto de ser regido a paixões, absolve cidadãos respeitados, ilibados pais de família, que ao pagarem ingressos se comportam como jamais o fariam na reunião do seu condomínio. Num almoço em família. Xingam a mãe distinta do juiz de filho daquilo, o próprio de safado, chamam um treinador de burro e, se não forem vascaínos ou tricolores, já fizeram parte do maior coro do mundo : “Edmundo, viado… Renato Gaúcho, viado…!”. 

Formamos uma massa tão insana que mesmo diante desta covardia com um dos seus maiores ídolos, o torcedor rubro-negro ainda é capaz de encher o estádio Mané Garrincha, em Brasília, como o fizeram no sábado, e gritar MENGOOOO!!! Como se nada tivesse acontecido. Como se a injustiça fizesse parte, e tivesse sua pena atenuada, apenas porque foi cometida no futebol.

Até que um dia você, torcedor, chegar para trabalhar e descobre que não poderá mais exercer o seu ofício. “Pôxa, mas já dei tantas alegrias à empresa! Ano passado, inclusive, tive um problema cardíaco, sério, e o superei para voltar a defendê-la!”. Que importa, para não perder seus direitos, terá que se apresentar fora do horário do expediente para produzir individualmente e não o conseguirá, porque você foi criado para atuar coletivamente, ao lado de onze companheiros.

Seja bem-vindo, você acaba de descobrir que é mais um ídolo desrespeitado do nosso injusto futebol. E que tantos que você ajudou a ter uma segunda-feira de glória desde 2006, desfilando com a faixa de campeão pelo centro da cidade, e não foram poucos para formarem uma nação, voltarão aos estádios sem uma só manifestação por você. Neste dia, de um novo e triste conto do Abreu, você saberá, de verdade, quem são os safados, o quanto fostes burro em escolher tal profissão e que o Renato Gaúcho e o Edmundo foram dois grandes ídolos do nosso futebol.

 

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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