O MANTO SAGRADO

Pode até ser uma dessas raras expressões do mundo da bola que pega. De tão legal, vira regra, objeto de marketing e acabamos incorporando ao cotidiano do nosso futebol. Manto sagrado é a camisa que simboliza a maior nação esportiva do país. Mas tal simbolismo tem passado batido devido aos maus resultados obtidos pelo Flamengo, tanto no estadual como agora, no brasileirão.

Domingo, porém, durante a partida com o Botafogo, não tive a menor dúvida que se trata mesmo de uma camisa diferente. Ela, talvez como a do Timão, carrega uma energia diferente, não é capaz de correr sozinha, mas nenhuma outra tem a competência de captar tantos fluídos, de todos os lugares em que seus torcedores, sempre em maioria, estiverem sintonizados na partida.

Porque a diferença técnica entre Botafogo e Flamengo, hoje, é gritante. E fácil de explicar. Enquanto o alvinegro mantém o mesmo técnico que montou sua equipe e, por conseqüência, a mesma base e igual sistema tático, o rubro negro já trocou de treinador e de sistema tático por três vezes nesta temporada. Sendo assim, Bolívar sai jogando com o Dória com segurança porque ambos sabem que o Renato, Marcelo Mattos, Gabriel e Lodeiro vão estar circulando para receber o passe e armar as jogadas ofensivas.

Que Seedorf vai prender a bola mais à frente e que Rafael Marques vai voltar para ajudar, com sua altura, durante os escanteios contra eles. Desde janeiro esta é a espinha dorsal do Botafogo. Sendo mantida, podem os laterais ser trocados, os Vitinhos substituídos, jogar uma partida o Elias na outra o Henrique que a base estará sustentada sobre sólidas estruturas. Que se conhecem e vão correr menos para atingir o mesmo objetivo. 

Já pelo lado do Flamengo, com Jorginho o “cara” era o Rafinha, o lateral esquerdo o Ramon e quem comandava o meio-campo era o Kléber Santana. Depois chegou o Mano Menezes, que deu a dez pro Elias, trocou a zaga porque indicou o Chicão e ainda teve a coragem de trazer o André Santos para ser o articulador das jogadas pelo lado esquerdo. Após sua queda, o interino Jaime de Almeida tirou da cartola um carregador de piano, o Amaral, capaz de neutralizar tanto as jogadas do camisa 10 adversário, como as dos próprios contra ataques equivocados que inicia.

Teve momentos no clássico em que o Felipe, ao sair jogando, não sabia que tipo de reposição fazia. Seria longa pro Rafinha? Lenta com o André Santos ou cuidadosa, ao entregar a bola nos pés do Amaral? Nesta razão de segundo é que pesa estar ou não entrosado. Nesta razão de segundo é que um clássico é decidido. Se por um lado todos sabiam o que fazer e no outro todos só sabiam que tinham que correr, porque a partida foi rigorosamente igual, sendo, na minha opinião, o resultado do empate mais justo pelo que aconteceu em campo?

Nem precisamos dizer da tal energia que captamos quando entramos num ambiente saudável. Ela, energia positiva, nos revigora, se não tivermos condições de canalizá-la temos certeza que não irá nos atrapalhar. Diferente de uma reunião dos Black Bocks, onde a concentração de pedras e coquetéis molotovs corrói até a sagrada luta pela melhoria salarial pros professores, incorporando aos movimentos que denigrem uma aura negra difícil de contornar. 

O que aconteceu domingo entre Flamengo X Botafogo foi que aqueles jogadores desentrosados e desconhecidos fizeram da luta e do suor uma insuperável arma de equilíbrio contra os mais preparados. Se superaram, dividiram todas as bolas e, mesmo perdendo, saíram de campo aplaudidos. Fico a imaginar o dia em que aquela capa do SuperMan, do Homem Aranha, pelos poderes de Grayskull, estiveram protegendo um clube organizado e planejado, que pare de jogar a culpa pelos maus resultados nos seus treinadores e respeite o passado de cada Renato Abreu que largaram pelo caminho. 

Neste dia, manto, respeito e competência aliados, serão temidos, imbatíveis e estarão bem acima da tabela, lutando não mais para cair, mas para serem novamente campeões.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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