O BOTAFOGO JOGAVA COMO O BARCELONA

A frase, dita pelo ex-volante Carlos Roberto soa como mais uma bobagem numa transmissão de futebol ou papo de botequim, saída da boca de algum torcedor que passou dos limites na cerveja. Combinamos falar do Barcelona, o time que está encantando torcedores em todo o planeta e tive que mudar de idéia, a cada resposta do atual técnico, que atuou 4 anos com Gerson, Nei Conceição, Afonsinho, Carbone e Ademir Vicente, no Botafogo, e Clodoaldo, Ailton Lira, Leo Oliveira e Negreiros, no Santos, entre outros. Tive que mudar o roteiro para aproveitar um depoimento totalmente novo em relação ao time de Pep Guardiola, considerado o melhor do mundo. Mais que isso, sobre o fantástico Botafogo da década de 1960.

 

O técnico Carlos Roberto explicou como jogava o Botafogo. Foto: Marcelo Santos


PODE EXPLICAR ?

– Temos que observar vários fatores, pela diferença de épocas. Primeiro, o profissionalismo com que o futebol é tratado na Europa. O nosso time daquela época, em toda a década de 1960, era o melhor do mundo, com todo o poderio do Santos, que tinha Pelé. O Botafogo não foi longe por falta de organização. Os salários atrasavam e não davam satisfação aos jogadores, isso gerava insatisfação, treinávamos num gramado esburacado, duro, desnivelado, um horror quando chovia. Jogávamos no campo do Olaria, que tinha areia, o do Bonsucesso era esburacado, duro, iluminação precária, desconforto nos vestiários, tudo contra. Tínhamos o melhor time e por isso ganhávamos, mas era complicado.

OS JOGADORES ERAM MELHORES ?

Sim, claro. Mas não havia comprometimento profissional, valorização dos títulos. A gente não se importava em perder a Libertadores, o que nós queríamos era ser campeão carioca. Esse era o título que nos dava prazer, todo mundo queria ser campeão estadual. A copa sul-americana a gente não ligava muito, servia apenas como um prêmio e todo mundo se divertia, principalmente nas viagens.  Hoje, até o quinto lugar os times estão brigando, tentando a classificação. Vejam o último campeonato brasileiro, disputado até a última rodada. Foi muito emocionante mas tecnicamente muito fraco. Esteve nivelado por baixo.

 

Carlos Roberto marcou Pelé na despedida do Rei. Foto: acervo pessoal.

 

NOSSOS CRAQUES ATUAM NA EUROPA, ISSO PREJUDICA ?

Naquela época os times eram mantidos, jogavam anos seguidos, com poucas mudanças, o que não acontece hoje, onde os jogadores deixam os clubes no meio da temporada, em pleno campeonato. Se o Vasco não tivesse ficado sem o Anderson Martins teria sido campeão. A saída dele foi muito ruim, prejudicou demais o time. A zaga perdeu a base, o entrosamento que ele estava amadurecendo com o Dedé, que acabou, mesmo assim, como destaque da equipe. O Vasco ficou de calça arriada.

QUAL A VANTAGEM DE JOGAR NA EUROPA ?

Lá é tudo diferente. O cara tem que se adaptar ao profissionalismo extremo, clima totalmente diferente no frio e uma grande organização nos maiores centros como Espanha, Italia, Inglaterra, França, entre outros mas os salários compensam. Se o cara for esperto fica milionário em 4, 5 anos. Antigamente a gente tinha medo de comprar um imóvel porque não sabia se receberia o salário em dia ou o pagamento das “luvas” (dinheiro adiantado na assinatura do contrato). A segurança que o jogador tem na Europa faz o seu rendimento melhor, joga mais tranquilo, sem pensar em problemas financeiros, que é muito desgastante. Você jogar sabendo que a família está em casa tranquila, só pensando no jogo, é outra coisa, sua performance só pode melhorar. A mesma coisa acontece nos treinamentos.

QUE AVALIAÇÃO PODE SER FEITA DA ATUAL SAFRA ?

– Tecnicamente fraca, sem talentos, salvo algumas exceções, como Neymar. O Paulo Henrique Ganso se esconde mas tem muita mídia que o idolatra. Tem muita moral com a imprensa, não sei porque. A gente cobra trabalho de base mas é impossível o jogador crescer num ambiente sujo, onde há outros interesses, pessoas que se beneficiam da falta de profissionalismo. Eles não ensinam nada. O Lucio corre errado na bola e nunca foi corrigido. Ele não sabe correr, se movimentar e ninguém observou isso no rapaz. Um trabalho de base, é bom que se diga.

COMO MUDAR ESSE QUADRO ?

– Mudando as pessoas. Quem trabalha na base tem que ser o melhor, saber ensinar. Hoje o garoto aparece num clube, num centro de treinamento, faz duas embaixadas ou dois gols numa pelada de observação e vira gênio. Fica todo mundo deslumbrado, inclusive ele que acaba ficando no meio do caminho, se não for bem orientado.

 

Carlos Roberto foi destaque no melhor time do Botafogo de todos os tempos. Foto: acervo pessoal.

 

HÁ ALGUM CASO QUE TENHA CHAMADO SUA ATENÇÃO ?

– Um grande exemplo está aí, foi destaque do campeonato brasileiro,  o Dedé, que corre errado, precisa ser corrigido imediatamente.  Veio com esse defeito da base – não penso em apontar culpados, é apenas uma observação – mas precisa mudar sua forma de correr, dar o combate ao adversário. Ele parte pra cima, quando, em algumas vezes, precisar usar o atalho, diminuir a distância, correr menos. Ele se deu bem porque tem muita força e velocidade, mas pode melhorar muito.

MESMO ASSIM O BARCELONA É O TIME A SER BATIDO

Eles estão colhendo o que plantaram. Os caras investiram nisso, treinaram muito para chegar a esse ponto. São muito profissionais e não descobriram a pólvora, como já ouvi, apenas estão fazendo o que nossos jogadores faziam. O próprio Guardiola reconhece isso e falou depois da final contra o Santos, aquela exibição de gala, talvez a maior de toda a história do futebol.

PODEMOS VOLTAR A FAZER ISSO ?

– O grande time do Botafogo jogava parecido. Joguei numa equipe quase toda formada em General Severiano. Os clubes mantinham seus jogadores, mesmo alguns anos depois, como o grande Flamengo dos anos 1980. A gente vinha junto desde os juvenis, cada um sabia o que o outro ia fazer, dava tudo certo. Tivemos um ataque, um dos maiores do futebol mundial, formado por Rogerio, Roberto, Jairzinho e Paulo Cesar. Todos eles feitos no próprio clube, sem custar um centavo. O jogador pertencia ao clube. Hoje o cara é fatiado, para com isso. O craque faz a diferença mas a maior qualidade é o jogador jogar para o time,sem desprezar a atuação individual, o cara que dribla e decide, faz o gol. O recurso individual é fundamental.

NEYMAR SE ENQUADRA NESSA DEFINIÇÃO ?

– O Neymar jogaria fácil no Barcelona ou em qualquer time do mundo, por sua qualidade técnica, mas no Barça seria consagrado. Lá todo mundo joga dentro de uma filosofia implantada na base, não se expõe tanto.  Todo mundo corre pouco e cansa menos, quem corre é a bola. Além disso ele encontraria um ambiente saudável para produzir o que dele se espera sempre, dentro e fora de campo. Com o futebol que tem e o elenco do Barcelona, seria uma grande atração internacional, como Messi. Renderia tanto quanto o argentino.

O QUE DIFERENCIA ESSES JOGADORES ?

– A referencia positiva e negativa.  Robinho está jogando como veterano, como Ronaldinho Gaucho, que aluga uma parte do campo e fica por ali. Zagalo tem razão. É muito marketing para vender camisa, titulos de sócios, mas esquecem que o jogador se acomodou, não quer mais correr. Viram veteranos com 26 anos. Hoje, com todas as condições físicas que esses caras tem podem jogar até 35 anos tranquilamente.  Dependendo do biótipo pode jogar até mais.

DÁ PARA SUSTENTAR A TESE QUE O GERSON NÃO JOGARIA HOJE ?

– Isso é uma barbaridade. Diziam que eu corria para o Gerson, minha mãe falava que os locutores só falavam meu nome, mas eu tinha Gerson, Jairzinho, a outras feras ao meu lado e eu estava sempre com a bola, já tinha esse conceito de que quanto mais a gente ficasse com a bola melhor. Ninguém sabia percentual de pose de bola, essas coisas de hoje. O maior exemplo disso foi a goleada que o Botafogo deu  (com a camisa da seleção) com 8 jogadores, na Argentina. Foi 4×0 e eles não tocaram na bola. O último gol ficamos 8 minutos dando olé e Jairzinho fez o gol sem que eles tocassem na bola.

 

Botafogo foi a base da Seleção Brasileira que derrotou a Argentina por 4 x 0. Em pé: Moreira, Félix, Brito, Leônidas, Carlos Roberto e Valtencir. Agachados: Naldo, Gerson, Roberto, Jairzinho e Paulo Cezar - Foto: acervo pessoal

 

O BOTAFOGO ERA UM TIMAÇO ! 

– Mas as pessoas não sabiam disso. E até hoje muita gente não sabe. A visibilidade era bem menor, não havia a divulgação de hoje, marketing, todo esse esquema que veio com a globalização, internet, etc. Num torneio hexagonal no México, em 1968, derrotamos o Ferencvaros com a base da seleção húngara por 4×0 e os caras não viram a bola. A imprensa perguntava “que time é esse”?  Pegamos Partizan e o Estrela Vermelha, base da Iugoslavia, que tinha uma maravilhosa seleção e ganhamos os dois (2×0 e 1×0). Ganhamos da seleção mexicana  que se preparava para a copa de 70 de 1×0, gol de Roberto Miranda. Era um time quase imbatível. A gente jogava e se divertia muito.

ERA O BARCELONA DA ÉPOCA ?

Não havia a divulgação que há hoje, repito. Nem no Brasil sabiam o que a gente aprontava mundo afora. Como o Barcelona, esquecem que o Botafogo tinha metade da seleção brasileira bicampeão do mundo no Chile. A imprensa era muito bairrista, cega, não via, por exemplo, em São Pauilo, o nosso potencial, nossas virtudes. Ao passo que no Rio o Santos era reconhecido, o tratamento era outro. Digo isso porque joguei nos dois. Essa identificação que o Santos tinha com o Rio era pelo fato de se considerem “santistas”, não paulistas.

ESSE QUADRO ATUAL PODE SER REVERTIDO ?

Pode, primeiro vamos ter que voltar a valorizar os jogadores talentosos, deixar fluir, driblar, ter bons ensinamentos, exemplos, deixar de ficar reféns de empresários. Difícil o time ter um jogador como Zico, vindo da base, independente do dinheiro, cria amor pelo clube. Quando saí do Botafogo, ganhando mais no Santos, chorei ao sair do clube. Fui levado pelo Nilton Santos até o portão porque o clube queria me vender, quando eu queria ficar.  Ia fazer quinze anos, na carreira, com 28 anos, no auge. E tive que sair. Fui mandado embora  (1976).

 

Foto: Marcelo Santos

 

O BARCELONA É IMARCÁVEL ?

Hoje é. Nenhum time no mundo para eles. Terão que treinar muito para se parecer com eles, depois executar o que eles fazem. Tem que praticar a posse de bola e o preparo físico deles é sensacional. Eles tocam a bola para descansar depois imprimem a velocidade ditada por eles. Marcam em todas as zonas do campo, estão sempre em vantagem numérica. Não correm porque quem corre é o adversário. Veja que estão sempre ganhando as “segundas bolas”, pelo excelente posicionamento que é bem definido em campo. É um time quase perfeito.

3 thoughts on “O BOTAFOGO JOGAVA COMO O BARCELONA

  1. Carlos Roberto é um dos meus ídolos do futebol. Desde o time de 1967 até 1976 o acompanhei no Botafogo e também no título carioca como técnico em 2006. Lembro-me de seus passes, roubadas de bola, cobrança de falta (gol da final de turno contra o Fluminense em 1975).
    Bela entrevista. Reproduzirei no Instituto Mais Memória.

  2. Materia perfeita, repassei seu blog para comunidade do Botafogo no orkut, parabens!!! espero que o Glorioso algum dia volte a brilhar como naquela epoca^^

  3. Iata parabéns pela entrevista com o Carlos Roberto. Não entendo como um técnico que entenda tanto de futebol esteja fora dos grandes clubes, principalmente do Botafogo. E ficamos nós torcedores nos aborrecendo com Joeis Santanas e Caios Jr. da vida. O Botafogo no dia que parar com esta história de superstição e se tornar um clube profissional. Digo profissional em termos de vanguarda, formar jogadores que tenham responsabilidade (Eu ia escrever COMPROMETIMENTO) mas nao gosto deste termo, me faz lembrar o butinudo do Dunga.

    Ahhh e gostaria que o Botafogo fosse o primeiro a acabar com a concentração. É fácil, fácil!!!! Libera os jogadores e se não se apresentarem no dia do jogo em boas condições, MULTA!!!! MULTA!!!!

    Um grande abraço.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *