O ANJO NEGRO

 

Confesso que não tive a melhor das impressões quando ele desembarcou no Galeão e a torcida do  Botafogo, em completa euforia, o carregou no colo enquanto um ídolo seu, Loco Abreu, com serviços mais que prestados e títulos alcançados, deixava o aeroporto em silencio pela porta dos fundos. Se tratava de uma enorme injustiça, mas ele, Clarence Seedorf, não tinha nada com isto.

Chegara ao Brasil para se despedir do futebol e escolhera o país da sua amada para jogar suas ultimas temporadas. Mas desde o primeiro minuto que vestiu o colete e treinou em General Severiano, exibindo um refinado e esquecido toque de bola junto a um sorriso e uma simpatia incomum aos grandes craques, passou a fazer diferença. Dentro e fora de campo.

Domingo, no final da taça Guanabara, não havia um só torcedor no hotel em que assisti a decisão, e eram muitos, de todas as torcidas, que não vibrava por ele. Os mais revoltados apenas questionavam: mas por que o Botafogo? Ele não poderia ter ido para a Gávea? Atuar no meio campo do Flu ao lado do Deco? Ah! Seedorf, se todos os ídolos fossem iguais a você.

Não fossem pegos tarde da noite, alterados, abordando travestis ou flagrados no antidoping, tendo que devolver medalhas e gerar frustrações nos que torceram por ele. Não transformassem suas mansões em rodas de samba, que varressem madrugadas, ou não passassem doze horas por dia gravando propaganda no lugar de treinar e valorizar seu principal produto, que é o futebol.

Seedorf não é artista pra dar beijinho no transito, como o Fred, não é metido a Hulk, como o Bernardo, nem se descontrola com facilidade como o Carlos Alberto. Foi pego na noite, sim, mas com a esposa na Sapucaí. Vai ao Barrashopping e a praia como todo carioca, porém acorda cedo e vai trabalhar, como todo operário.

Se o Botafogo teve um anjo das pernas tortas, que marcou sua história, era de se esperar que os deuses do futebol reservassem a nova geração, a do meu filho Guilherme, um novo anjo, negro, para manter sua estrela mais brilhante e menos solitária.

Poucos no esporte alcançam seu fundamental papel social, de dar exemplo para os meninos que se lançam em escolinhas, e quanto mais alto se exibirem, mais taças levantarem, maior será a repercussão e a luz que irradiarão por todos os campinhos. Por favor, Felipão, naturalize o Seedorf. Seria uma gentileza a tantos países que adotaram nossos craques.

Coloque-o na seleção brasileira ao lado do Fernando, do Paulinho e do Zé Roberto. Se você não vencer a Copa do Mundo, pelo menos devolverá a nação um fundamento, talvez um detalhe, por que não, uma índole há muito esquecida pelos gramados, pelos corredores do senado, pela felpuda raposa que deram a missão de zelar por nossos, coitados, direitos humanos: ética, respeito e caráter. 

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

One thought on “O ANJO NEGRO

  1. Salve
    Nós achamos que somos os melhores. Jamais iriamos admitir um técnico estrangeiro na seleção brasileira. Seedorf na verdade é uma oportunidade para nossos jogadores aprenderem o que é ser um verdadeiro profissional.

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