O ADMIRÁVEL GADO NOVO

SIRO DARLAN, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a democracia.

No Brasil é assim. Uma tragédia acontece, perdem-se vidas, destroem-se famílias, ficamos enlutados e as autoridades prometem “apuração e providencias” para que outras pessoas não sofram tanto. Infelizmente é assim. Zé Ramalho canta em seu “Admirável gado novo” a epopéia do povo brasileiro, um protesto tão antigo quanto inútil. Não a obra, claro, que ganhou o destaque devido, mas as conseqüências. Continuamos sendo tocados pelos senhores do engenho, latifundiários, “coronéis”. Infelizmente nada vai mudar, resta torcer que a próxima tragédia seja menos violenta.

Falamos com o Desembargador Siro Darlan a respeito da decisão do juiz Raphael Baddini determinando que a trilogia “Cinquenta tons”, da escritora E. (Erika) L. (Leonard) James fosse vendido com proteção de plástico para que menores não tivessem acesso ao seu conteúdo. Pareceu-nos excesso de zelo – não confundir com exagero de autoridade – quando deparamos a cada dia com um absurdo descumprimento da Lei, em muitos segmentos da sociedade, em todos os cantos do país. Falou-se até em censura o que, convenhamos, foi demais.

DESEMBARGADOR, HÁ CENSURA NESSA DECISÃO ?

– O artigo 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente, atendendo ao principio da prevenção especial na proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes determina que “as revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializados em embalagem lacrada, com advertência de seu conteúdo”. Assim, o juiz, cumprindo determinação legal, determinou que o livro “50 tons de cinza” fosse comercializado atendendo a essa restrição legal. Portanto nada há de censura e sim o cumprimento de uma norma legal.

POR QUE NÃO HÁ O MESMO RIGOR COM PROGRAMAS DE TV TIPO BBB ?

– Aqui o caso é diferente porque não há regras a ser aplicada e a Constituição proíbe qualquer forma de censura prévia. Mas o que deve acontecer, se houver interesse, é que os prejudicados com tais programações ingressem na justiça pleiteando danos pelos prejuízos causados a seus filhos ou a si próprios. São dois direitos constitucionais que se resolvem sem restringir o exercício de nenhum deles: o direito da livre manifestação e o direito à privacidade, intimidade e ao respeito, que se resolvem quando provado que o exercício de um direito afrontou o outro direito.

PARTE DA IMPRENSA FALA SEMPRE EM CENSURA. POR QUE ESSA TENDÊNCIA ?

– Essa tendência não é outra coisa senão o temor que tem aqueles que acham que pode tudo de forma ilimitada. Esses quando o braço da lei os ameaça de punição pelos excessos chamam a isso censura. Mas a lei é bem clara, todo aquele que causar prejuízo a outrem tem a obrigação de reparar o dano causado.

O LIVRO “CPI DA NIKE” TEM SUA VENDA PROIBIDA. ISSO NÃO É CENSURA ?

– Não conheço o teor e o fundamento de tal decisão judicial. Mas nos termos em que a pergunta foi feita, a resposta é que essa decisão não tem amparo na Constituição que consagra o direito à livre manifestação do pensamento. Contudo se tal manifestação estiver causando prejuízo à imagem de outrem cabem medidas para impedir que esse dano continue ou ser resolvido através de perdas e danos.

O FILME DA XUXA PRATICANDO PEDOFILIA TEVE SUA VENDA PROIBIDA

– No caso da Xuxa, o filme foi realizado em circunstâncias diferentes da atualidade. Hoje Xuxa é um símbolo da educação e do respeito aos direitos das crianças. Por sua vez as crianças fizeram-na uma referência positiva e exemplar através de suas músicas educativas. E esse filme é prejudicial à imagem da Xuxa. Portanto cabe a ela solicitar que esse dano a sua imagem seja evitado, até porque existe o princípio do interesse superior da criança que deve ser observado.

A RESPONSABILIDADE PENAL AOS 16 ANOS TRARIA BENEFICIOS ?

Essa questão é muito delicada porque vivemos um ambiente de crise social muito grande onde não são observados o respeito aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. A marginalização social que sofrem essas crianças levam-nas a pratica de pequenos ilícitos de sobrevivência, tais como crimes patrimoniais e de envolvimento em drogas, que seriam evitados se seus direitos estivessem sendo respeitados. Essa lógica da exclusão social é uma prática nazista, que nem a vitória da segunda guerra mundial conseguiu desapegar do imaginário social. E, ainda hoje imagina-se que a solução para os problemas sociais é a exclusão das vítimas da incúria do poder público. Quando houver um investimento real na educação e no respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, essa preocupação perderá seu lugar na pauta da mídia. Não se ataca violência com atos de violência. Práticas de mediação e de conciliação da sociedade estão sendo implantadas com maior frequência e com sucesso em sociedades em crise.

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