Enciclopédia
Quero dividir com você, amigo leitor, um pouco do que vivi ao lado desse monstro sagrado, tão fantástico com a bola quanto incrivelmente modesto em seus gestos, simples como um drible que dava, dentro da área, derrubando até os próprios companheiros de equipe. Não endosso as histórias ridículas e algumas cenas patéticas que atribuíram ao maior lateral esquerdo de todos os tempos, titular do time eterno da Fifa. Em respeito ao vitorioso jogador, ao amigo.
Reencontrei Nilton em Brasilia, onde era responsável por um Núcleo de Futebol, no estádio Mané Garrincha, acompanhado do saudoso jornalista Jorge Martins presidente da Associação dos Cronistas Esportivos de Brasilia, com quem escrevia uma coluna no Correio Braziliense. Fomos ao seu apartamento fazer uma matéria para a TV Manchete.
Ao puxar a porta do quarto, após a entrevista e uma mirada nas fotos e troféus, estranhei que alguma coisa se arrastava pelo chão, provocando um barulho pouco comum para a situação. Abaixei-me e peguei um saco plástico que servia de peso para manter a porta aberta. Nilton riu, abriu o saco e me mostrou uma coleção de medalhas, entre elas as dos mundiais que ajudara o Brasil a ganhar, em 58 e 62.
Nilton e Celia estavam se programando para voltar ao Rio e procurei Chiquinho de Carvalho, presidente da Suderj, para ajudar nessa briga. Pouco tempo depois lá estava o maior lateral de todos os tempos, no Templo Sagrado, como embaixador do mítico estádio. Com a simplicidade citada, recusou mesa, qualquer tipo de privilégio e se junto à nossa equipe da assessoria de imprensa, em frente ao hall dos elevadores.
Chegava às nove horas, vindo da praia do Flamengo, sentava ao lado da minha mesa e começavam as resenhas, de segunda a sexta. Ao meio-dia em ponto íamos ao quarto andar, onde havia se concentrado na copa de 1950, agora a lanchonete da Sonia, que fazia uma “jardineira” especial, servida a vontade. Com um detalhe: Nilson só comia se tivesse um pão francês para acompanhar.
Assim convivemos por quase dois anos. Dividimos uma coluna “Tabelinha”, publicada uma vez por semana no Jornal dos Sports. Nos fins de semana e feriados nos encontrávamos em Araruama para ver jogos, conversar fiado, na praia, contar as estrelas, à noite, no magnífico jardim de sua casa. Um dia Nilton pediu que a Celia apagasse as luzes e, só nós dois, olhando fixo para o ceu que parece mais estrelado naquela praia disse: “olha como nós somos pequenos”.
Nilton não deixava pergunta sem resposta. Um dia indaguei se ele toparia contar na coluna algumas histórias que viraram lendas. Ele topou e, de cara, foi dizendo que “Garrincha nunca jogou a bola entre as minhas pernas e pedi para contratá-lo. Isso foi uma história contada pelo Sandro (Moreira) para justificar a contratação do Mané. O Oldemário (Touguinhó) ficava uma fera porque também estava em General Severiano e não concordava com aquilo”.
Outra passagem aconteceu em 1958, na Suécia: “Contra a Áustria eu vi que dava para ir ataque e fui. Nem vi se tinha cobertura, mas acabei tabelando e fiz o segundo gol. Dizem que o (Vicente) Feola gritava para que eu voltasse. Isso nunca aconteceu porque foi muito rápido e o barulho muito alto, nem daria para ouvir, ele estava do outro lado. Sei que fiz o único gol em mundiais e o resto virou lenda mesmo”.
Paralelo ao compromisso no Maracanã, Nilton participou do Projeto Mais Memória, do amigo Izaias Nascimento, que reunia, além dele, Pinheiro, Brito, Roberto Miranda, Silva Batuta, Amarildo, Jair Marinho, Altair, Jair Rosa Pinto, que participavam da inauguração das Farmácias Populares e palestras voltadas à terceira idade. Um sucesso que deixava todo o grupo absolutamente recompensado e feliz.
Hoje, me arrependo de não ter aproveitado mais aquela convivência com Nilton Santos. Coisa que jamais passou pela minha cabeça que poderia acontecer. Logo eu que, rubro-negro, descia do bonde na Voluntários da Patria, no começo, lado esquerdo, onde hoje é a Cobal, para ver, de longe, meu ídolo chefiando sua loja de material esportivo. Depois eu andava uns vinte minutos até a rua da Passagem, para fazer meu primário na escola municipal 4-3 Francisco Alves.
Pra fechar, a história – verdadeira – contada várias vezes por Nilton, envolvendo o técnico Flavio Costa, de quem não gosta até hoje, que questionou sobre a chuteira que o lateral estava usando, antes de um treino da seleção no período pré-copa de 1950.
– Nilton, que chuteira é essa que não tem bico ?
– Pra que, seu Flavio, machucar a bola, ela nunca me fez nada
Amigo, emocionante esta reportagem com Nilton Santos, ele é um monstro sagrado e o melhor lateral esquerdo de todos os tempos. Foi com muita saudade e recortações, ver os companheiro que jogam na minha epoca.Abraços ao grande amigo. Alex