NANDO FAZ HISTÓRIA FORA DOS GRAMADOS

Futebol e Ditadura: Nando o primeiro jogador anistiado no Brasil”, ganhou espaço na mídia e transpôs fronteiras. Mais de quarenta anos depois, Fernando Antunes Coimbra, de uma família de craques, aparece com destaque fora dos gramados, depois de sofrer ameaças durante o golpe militar de 1964. Uma história inusitada, que apresenta momentos patéticos de um regime que marcou milhares de famílias, envolvidas numa caçada implacável que deixou cicatrizes. Profundas, em alguns casos.

Terceiro membro da dinastia Antunes, Nando foi o segundo filho de seu Antunes e dona Matilde a tentar a carreira de jogador de futebol, até certo ponto vitoriosa, considerando as adversidades fora das quatro linhas. As etapas foram cumpridas a seu tempo e a tendência era alcançar o sucesso do irmão Antunes, de rara habilidade e talento. Craque nato, destacou-se no Fluminense e América, antes de se decepcionar com as falsidades e atropelos de um mundo tão cruel quanto fantasioso. Que só tem espaço para alguns escolhidos pelos deuses do futebol.

Edu veio em seguida. Jogador maravilhoso, talentoso, fora de série. Craque puro. Tonico não quis  seguir a carreira dos irmãos e foi para outra área. Abriu-se um hiato com características de um enredo hollywoodiano. Em 1953 foi escrita a última página para fechar com chave de ouro a história dos Antunes. Dia 3 de março nasce o pequeno Arthur para se consagrar mundialmente como Zico, um dos maiores jogadores do futebol mundial em todos os tempos. Fechada a “fábrica” a vida seguiu para Nando e seus irmãos.


VOCÊ ERA TERRORISTA E NÃO SABIA ?

Incrível mas foi exatamente isso. Eu era um perigoso subversivo, fui chamado de terrorista enquanto corria atrás da bola. Levava uma vida normal, seguindo a carreira do Zeca (Antunes), buscando o meu espaço. Aí as coisas foram se encaixando até ser preso por cinco dias nas celas do DOI-CODI, na Tijuca, sem saber o que estava se passando.

CHEGOU A SER TORTURADO ?

Felizmente não. Em 1970 prenderam minha prima, Cecilia, com seu marido, e ficamos todos juntos no quartel da PE (Policia do Exército). Eu fui detido dez dias depois deles e submetido a intenso interrogatório, durante a madrugada. Tinha que ficar com as mãos para cima horas seguidas, sem poder abaixar, com a cara virada para a parede. Era um terror, mas nunca levei nenhuma pancada, não me bateram. Mas os gritos eram aterrorizantes.

COMO CONSEGUIU SAIR DESSA ?


– o General Sizeno Sarmento era conhecido do meu pai, que foi falar com ele. Queria saber por que eu estava preso. Ele era presidente do CND (Conselho Nacional de Desportos) e conhecia muita gente do futebol, claro. Procurou saber quem eu era e mandou me soltar. Mas fui fichado, estava “sujo” na praça. Minha vida continuou um inferno.

QUANDO COMEÇOU ESSA HISTÓRIA ?


– Minha prima, Cecília Coimbra (Presidenta do Grupo Tortura Nunca Mais) me chamou para fazer concurso para o Plano Nacional de Alfabetização, criado por Paulo Freire, coordenador de ensino do Mec. Fui com minha irmã, Zezé (Maria José Antunes Coimbra) que passou na área de coordenação e eu fiquei como professor, isso em setembro de 1963. Em 1964 acabaram com o PNA e quem trabalhava lá foi considerado subversivo.

COMO FOI PARAR NO FUTEBOL ?


– Tinha disputado (63/64) o campeonato infanto pelo Manufatura (Departamento Autônomo), onde Zico era o mascote, ia no ônibus com a gente. Zeca (Antunes) estava no Fluminense e me levou para treinar. Pinheiro era o técnico do juvenil e me conhecia, mas eu tinha passado da idade e fui direto para o profissional. Zeca teve um problema com Altair, o clima ficou ruim e nem cheguei a treinar e não voltei mais. Fui para o Botafogo, fiquei dois meses treinando mas Daniel Pinto saiu, Zagalo assumiu e acabei dispensado. Careca, massagista do America, fez a ponte e fui para o Santos, de Vitória (ES). Fiquei um ano e voltei ao Rio. Perdemos o titulo para a Desportiva Ferroviária. Foi muito bom esse período, mas aconteceu um caso muito estranho. Trocaram o treinador, assumiu um capitão do exército e fui sacado do time, contra a vontade do presidente do clube, que não queria minha saída. “Não posso fazer nada”, foi o que ele me disse.

Ataque fantástico: José, Antonio, Fernando, Eduardo e Arthur

FOI PARAR NO AMERICA ?


–  Edu e Zeca estavam lá e me chamaram (1967). Fiz um coletivo e Gersou Coutinho (Vice-Presidente de Futebol) me contratou. Assinei no mesmo dia, junto com Alex (zagueiro). Wilson Santos era o treinador e me escalou ao lado dos meus irmãos e o Eduardo na ponta esquerda. Fizemos ótimos treinos e esse ataque, que seria único no mundo formado por três irmãos, estava escalado para jogar contra o Vasco. O treinador foi demitido naquela semana e assumiu Evaristo de Macedo que, não sei porque, me sacou. Acabou-se o sonho de jogar ao lado do Zeca e do Edu.

NO MADUREIRA FOI MAIS FÁCIL ?


– Depois do America fui para o Madureira, (67) que era treinado por Esquerdinha e o preparador físico era o Gildo Rodrigues. Estava treinando bem e jogando como titular. Tinha adquirido minha forma e fazendo tudo certinho. Antes do jogo contra o Botafogo o Carlinhos Maracanã (Vice-Presidente de Futebol) me chamou e disse que eu não podia jogar. “Não posso fazer nada”, disse e prometeu que eu continuaria treinando, recebendo salário, só não podia jogar. “Vai ficando”, disse e não falou mais no assunto.

VOCÊ PERCEBEU ALGUMA COISA ESTRANHA ?


Sim, claro. Em 1968 fui para o Ceará e fiz um campeonato maravilhoso. Era um timaço mas não ganhamos o título, o que aconteceu no ano seguinte. Logo depois fui contratado pelo Belenenses, de Portugal. Quando fui assinar contrato, já em Portugal me apresentaram uma proposta com outras bases, bem inferiores às que nós havíamos combinado aqui.

Nando jogou na ponta esquerda do Ceará em 1968.

AS PRESSÕES COMEÇARAM EM PORTUGAL ?


– Foi lá que a ficha caiu e me dei conta que estava encrencado. Não assinei esse contrato e fiquei morando no Parque Eduardo VII, aguardando um desfecho. Um dia fui visitado por dois sujeitos que eu não conhecia. Eram do PIDE (Policia Internacional de Defesa) e perguntaram o que eu estava fazendo ali. Em seguida fui procurado por um dirigente do Belenenses me oferecendo a metade do que havíamos combinado ou me mandariam para a guerra (Portugal estava em conflito com as colônias Moçambique e Angola). Fiquei quase dois meses sem uma solução e saí de lá fugido.

CHEGOU A SOFRER AMEAÇAS ?


– Sim, indiretamente. Enquanto treinava e esperava uma resposta do clube conheci um moçambicano chamado Valter, que era branco, pouco comum naquele país, que me orientava, dava força. Um dia ele me convidou para almoçar em sua casa e me pegou no hotel. Depois chegou outro convidado. Nada mais nada menos que Eusébio, o maior jogador português de todos os tempos. Tem muito prestigio até hoje, mas é um cara super simpático, simples. Resenhamos até a noite. Ele passou a nos dar carona. Deixava a gente no estádio, antes de ir treinar. Um dia ele apareceu fardado e disse que tinha que passar antes no quartel, onde assinava alguma coisa e ia trabalhar. Depois eu soube que era coisa do regime que impunha aquela situação para que ele não fosse vendido ao Manchester, da Inglaterra. Eusébio é até hoje um patrimônio de Portugal. Voltei ao país do meu pai em 1971, já com a ficha limpa, para jogar no Gil Vicente, onde fiquei até 1962.

QUANDO SOUBE QUE ERA “SUBVERSIVO”?

Em 1992 fui reintegrado ao MEC. Zezé deu entrada na documentação e se aposentou em seguida. Eu me aposentei em 1994. Quando surgiu a Lei da Anistia recebi um documento dizendo que se tivesse algum documento poderia dar entrada requerendo reparação econômica permanente continuada. Preparei toda a papelada, reunindo documentos de testemunhas e ganhamos a causa em 2010. Exatamente no Dia Internacional dos Direitos Humanos, 12 de dezembro. Numa das sessões de julgamento da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça conheci Antonio Pedroso Junior, que era advogado de alguns perseguidos políticos de Bauru, onde mora.

VOCÊ FOI O ÚLTIMO A SABER QUE ERA FORA DA LEI ?

É por aí. O Pedroso recebeu um e-mail do Lelo, que foi jogador, dizendo que já sabia dessa história há muito tempo. Dizia que tinha ouvido do Cardosinho, Tinho, Tinteiro e Caldeira, que jogaram no Flamengo e estavam em Marilia, que no Rio tinha um jogador da família do Zico que era terrorista.

COMO CONSEGUIU GUARDAR SEGREDO ESSE TEMPO TODO ?

– Meus irmãos jogavam futebol e eu estava começando. Antunes já era famoso, estava num grande time, Edu era a grande estrela do América, cotado para a seleção e o Zico estava iniciando uma carreira promissora, que a  gente sabia que seria vitoriosa. Eu não queria atrapalhar a vida deles e tinha medo que alguma ameaça fosse feita com a minha família. O único “culpado” era eu. Eles não tinha nada com isso. Tive que segurar a barra sozinho.

ELES CHEGARAM A SER PREJUDICADOS ?

– Aconteceram coisas estranhas, sim. O Edu estava muito cotado para disputar a copa de 1970. João Saldanha falava muito nele e talvez tivesse ido, se o João fosse mantido. Dizem que o Toninho (Guerreiro, atacante do Santos) foi cortado com uma faringite para levarem o Dario, que era o preferido do presidente Médici. O Zico disputou o torneio pré-olímpico, fez o gol da classificação contra a Argentina e foi cortado, talvez a maior desilusão de sua carreira. O objetivo, entretanto, era eu. Não queriam que eu jogasse. Foi muito ruim para a minha carreira, mas hoje não lamento. Foram bons momentos que passei naquele período, apesar de tudo.

TERMINANDO, QUE BÁU É VOCÊ, HEM ?

– Isso mesmo, a gente se conhece há 40 anos e você nunca soube de nada. O Zico ficou sabendo alguma coisa recentemente. Realmente eu não podia comentar nada com ninguém, tinha medo que as pessoas fossem envolvidas. A coisa era séria e, de alguma forma eu mantinha a calma necessária porque não devia nada. Era questão de tempo um esclarecimento, como aconteceu. Mas tudo valeu a pena. Afinal, a democracia foi reconquistada.

FINAL FELIZ

O lançamento do livro reuniu a família e os amigos do Ceará Sporting Club, que homenageou seu ex-jogador, com a participação de Vera Felicio, presidenta do Centro Cultural do clube e Guilherme Rodrigues, responsáveis pelo evento, Evandro Leitão, presidente do Ceará e Secretário de Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado, Evaldo Lima, Secretário de Esporte e Lazer, ex-jogadores e torcedores. Organizado por Antonio Pedroso,  será lançado em Bauru, dias 25 e 26 de agosto, com a presença de Zico, Edu, Tonico, Maria José, amigos e imprensa do Rio de Janeiro.

5 thoughts on “NANDO FAZ HISTÓRIA FORA DOS GRAMADOS

  1. IATA, VC ESTÁ CADA DIA MELHOR. VC DIZ QUE É UM ABSURDO ENDEUSAR GANSO, MAS VC MESMO ENDEUSA DIEGO SOUZA (Q PRA VC É UM “EXTRA-SÉRIE”), DIGUINHO E ÉDER LUIZ.

    OUTRO DETALHE INTERESSANTE: QUANDO VC PERCEBE QUE ESTÁ PERDENDO A DISCUSSÃO, APELA IMEDIATAMENTE PARA UM FACTÓIDE: NO CASO DO GANSO, VC DISSE QUE JÁ OUVIU QUE ELE “É IGUAL AO GÉRSON”. OUVIU DE QUEM? ONDE? EM QUE MOMENTO? EM QUE CONTEXTO? O PRÓPRIO LOBINHO PERGUNTOU QUEM FALOU ISSO E VC DESCONVERSOU.

    OLHA IATA, SEUS COMENTÁRIOS PODEM NÃO TER A MENOR PROFUNDIDADE (E NISSO VC PERDE ATÉ PARA O JORGINHO), MAS QUE ESTÃO CADA DIA MAIS CARICATAS ESTÃO.

    ABRAÇÃO DO SEU FÃ (QUE MORRE DE RIR COM SEUS COMENTÁRIO).

    LEONARDO.

  2. Olá,

    Olhei seu blog.
    Por que procuro por Maria Jose Antunes Coimbra, foi minha professora e mestre de psicanálise na Universidade Gama Filho. Minha grande mestre Zezé
    Gostaria de notícias dela e contato.

    Muita paz!

  3. Fui criado em Quintino e joguei muito futebol de salão com o Nando, no Grêmio Esportivo Vital. Ele era um canhoto muito difícil de se marcar. Um emérito diblador. Nunca percebi nenhuma característica que pudesse colocá-lo na lista de subversivo. Repasse este e-mail para ele. Certamente vai relembrar a nossa turma do futsal: Jair, Aguinaldo, Mauro, Sérgio Gigante, Luiz Carlos, Osmar, Sérgio e Ricardo Amin, William, Sarrafo e mais tarde, o Eduzinho, seu irmão.

    Antonio Rodrigues

  4. Olá, achei seu blog ao procurar pelo nome da Zezé, Maria José Antunes Coimbra, que conforme mencionado acima, também foi minha professora da Gama Filho. Gostaria de notícias e do contato dela, pois há anos procuro e não consigo encontrá-la.
    Desde já agradeço,

    Vivian Costa

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