MESTRE CONDENA A VIOLÊNCIA NO VALE TUDO

João Alberto Barreto, Grande Mestre de Jiu-Jitsu,  lançou “Do Valetudo brasileiro ao ‘Mixed Martial Arts’, e fez de sua obra uma bandeira contra a transformação conceitual do estilo brasileiro em pancadaria. Primeiro “herói dos ringues” fez mais de vinte lutas principais na televisão, vencendo todas, no ginásio do Flamengo, na Gávea. João Alberto levou Anderson Silva para o Japão e foi o primeiro árbitro brasileiro a atuar no UFC, em novembro de 1993, nos Estados Unidos, e no Japão. O Vale Tudo está se transformando num grande e rentável negócio, onde o importante é machucar para vencer a qualquer custo, o que contraria a filosofia dos introdutores desta modalidade no Brasil. O autor vai à luta, literalmente, contra a violência antes combatida pela televisão aberta, hoje transformado num espaço em busca de audiência. 

COM QUE FINALIDADE VOCÊ FEZ ESSE LIVRO ?

Com a finalidade de intervir no que está acontecendo aí. Mas não posso fazer isso sozinho. Eu preciso ter uma boa divulgação, contar com apoio dos políticos, dos desportistas de lutas do meu lado, para que a regras americanas sejam modificadas e os lutadores passem a intervir na luta sem essa intenção da dolosidade, da machucação. Essa é a minha bandeira, por isso o livro. É uma bandeira que ninguém pode ser contra mim, porque ser for assim fica claro que só querem ganhar dinheiro, não querem mudar. O patrimônio físico do lutador tem que ser respeitado e não está sendo respeitado, está sim, sendo machucado. Eles foram pelo caminho errado. O americano quer ganhar dinheiro. Aqui teremos este ano catorze torneios, dentro do nosso país. Vão ganhar muito dinheiro.

QUAL A BANDEIRA DO LIVRO ?

– Fiquei três anos escrevendo o livro. Deu muito trabalho mas está aí. Valeu a pena ? Valeu. Só não posso ficar achando que vou ganhar dinheiro vendendo livro, essa não é minha finalidade, mas botar a boca no trombone e defender o que está no livro, que foi feito pra isso. Não adiante alguém dizer que já sabia, porque ninguém escreveu sobre isso. É coisa nova. Eu falo com base, sei o que estou falando e sei que posso representar um movimento como esse. Domino as minhas ideias, que são totalmente irrefutáveis. Preciso de base para mudar isso aqui. Não é chegar os americanos aqui, botar nome em inglês (MMA), ganhar dinheiro em cima do brasileiro e nossos lutadores ganhando nada, se arrebentando.

ONDE ESTÃO AS LIDERANÇAS BRASILEIRAS ? 

– Não há liderança alguma aqui. Estão ganhando muito dinheiro, não querem mudar nada. Convidei alguns deles para fazer a apresentação do meu livro e um deu desculpas, ficou fora, convidei outro, que também apresentou um desculpa, um terceiro a mesma coisa. Eles me procuram, querem coisas comigo, são manipuladores, são camaradas que não tem competência para ter as mesmas idéias que eu tenho, e segundo, escrever um livro. Não tem ideias nem competência para escrever um livro. Então eu surjo como um camarada que eles tem medo de mim.

NÃO HÁ UMA ASSOCIAÇÃO PARA VER ISSO ?

– Criaram um Comitê Atlético Brasileiro, vinculado à Comissão Atlética Americana para defender esse Vale Tudo aí aqui no Rio de Janeiro, no Brasil. O secretário de esporte nomeou o professor Álvaro Barreto para desenvolver as primeiras normas em relação ao ValeTudo brasileiro. Ele vai ficar cercado de gente que não quer isso, eu disse isso a ele, que me convidou e eu recusei. Não tenho nenhum interesse em participar disso. Eu quero botar a boca no trombone, mudar isso que está aí. Ele vai precisar de um suporte para fazer mudanças. Suporte esportivo, suporte político e suporte da imprensa. Eu quero levar meu livro ao Zuenir Ventura, que é um crítico da violência do Vale Tudo aqui no Brasil. Quero mostrar pra ele o que eu penso. É uma violência descabida, que está fora dos moldes baseados nos princípios éticos desportivos do esporte de luta.

 O ERRO COMEÇA NO NOME ?

Quando eu pensei em fazer esse livro pensei exatamente na violência existente no novo sistema brasileiro de lutas, nascido no Brasil, que é o Vale Tudo brasileiro que tomou um novo nome e novas regras. Novo nome, MMA, então começo a fazer críticas conceituais. MMA é Mixed Martial Arts, alias o nome do meu livro: do valetudo brasileiro a “Mixed Martial Arts”. Essa denominação não define o Vale Tudo brasileiro, pois significa “arte marcial misturada” ou “arte marcial mista” . O Vale Tudo brasileiro é uma arte marcial integrada. Onde se integram várias modalidades de artes marciais, todas as artes marciais: boxe, wrestling, muai-tai, todas as artes marciais traumáticas, lutas de chão, judô. Você não pode misturar uma “gravata” com um tombo, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Você não mistura um  “armi-lock” com uma chave de pé. Mas é uma luta, um sistema, que integra todas essas lutas. Então, na minha visão, ainda não apareceu um lutador que tivesse conseguido reunir, integradamente esse nosso sistema.

O Minotauro lutou com o Frank Mir, americano, e aplicou-lhe um soco violento, ele sentiu o golpe mas o nosso lutador e invés de dar continuidade tentou vencer com um golpe no chão e acabou com o braço quebrado. Erro da integração de luta, ele está preso ainda às origens do jiu-jitsu.

O ANDERSON É EXEMPLO ?

– O Anderson está usando o pontapé como se quisesse finalizar, mas o pontapé não finaliza naquela região, é impossível. Por isso quebrou o tíbia dele. O pontapé só tem uma forma de finalizar, que seria atingir o queixo do adversário que, aliás, ele conseguiu uma vez, por acidente, no Victor Belfort, mas foi um acidente. Então, ele foi treinado naquele pontapé para machucar o adversário. Aí faço outra crítica. O sistema brasileiro de Vale Tudo não está voltado para machucação, mas um sistema desportivo de finalização. A machucação fere o espírito esportivo do esporte de luta. O boxer não quer machucar o adversário, ele quer nocautear o sujeito, para isso usa luvas, para não machucar a mão dele porque os dedos dos ossos são muito fracos em relação ao craneo, que é muito forte. Se você der um soco na cabeça de um cara você quebra a mão.

QUAL A DIFERENÇA DE OBJETIVOS ?

O boxer bate muitas vezes na cabeça do adversário não para machucar, ele visa o KO, mas nem sempre acerta.  Pega no rosto, no olho, na testa, mas ele não quer isso, ele visa acertar o queixo. Como no futebol, que o jogador chuta a gol e a bola vai fora, não é isso que ele quer, mas acontece que ele chuta mais vezes fora que dentro do gol. É o caso do boxe. As regras americanas fizeram com que o traumatismo passasse a ser o principal objetivo da luta. Os americanos são melhores no boxe, no pontapé. Então, os lutadores criaram uma leitura da machucação, quer combalir o adversário com porradas repetitivas para poder vencer no terceiro round. Ale quer, primeiro, machucar a coxa, a perna o olho do adversário. Isso é violência não instrumental, quando não há a dolosidade da ação traumática. Ele quer nocautear, quer finalizar. Eu aplico uma chave de braço mas não quero quebrar o braço dele, mas poderia, se quisesse. Eu faço ele bater pela dosagem da dor, o profissional tem esse conhecimento. Hoje prevalece, no Vale Tudo brasileiro, que estão chamando de MMA como um sistema sado-masoquista. Os lutadores aceitaram se sujeitar a uma condição como essa.

ANDERSON SILVA

Eu conheço esse menino pessoalmente, tem a simplicidade daquela pessoa que foi pobre. Ele não se tornou burguês, ele é humilde. A primeira vez que ele lutou no Japão foi levado por mim.  Como levei o Carlson, essa turma dos Gracie eu levei pra la. Um cara que ficou sete anos como detentor do cinturão de ouro, ainda precisando evoluir em Jiu-Jisu, em Wrestling e Judô, e muito bom Boxe, no pontapé e na joelhada e joga bem capoeira, que é uma coisa fantástica. Ele ganhou a maioria das lutas no boxe e na joelhada, no pontapé aquela contra o Victor Belfort. O forte dele é isso, se juntar ele pode cair, como aconteceu nas duas últimas lutas. O grande lutador luta sempre por cima, jamais por baixo e explico porque. Por cima é onde o lutador consegue o maior número de vitórias, não é por baixo. Princípio básico. Pega um John Jones, o americano, é fraco no chão, por baixo, mas ele não cai, é bom wrestler, ninguém consegue derruba-lo, está sempre por cima, nunca por baixo. Ele pegou o Victor Belfort, parecia uma criança na mão dele, pegou o Machida, a mesma coisa. Mesmo assim se aproxima do ideal do melhor lutador brasileiro. Ainda não é porque é fraco no chão.

ANDERSON DEIXOU A HUMILDADE ?

– O nível de confiança de um lutador que passa sete anos com o cinturão de ouro não é autoconfiança normal, é super confiança. Ele entrou na soberba dos grandes campeões. É confiança que ultrapassa os limites. São pessoas que chegam a uma condição psicológica de domínio daquilo que faz que acha que não pode mais perder. Outro fator é o cansaço, a fadiga da gloria. O cansaço é uma condição psicológica muito forte no homem, ele se cansa da gloria. O cara se esforça, trabalha, luta, não pode comer isso, não pode comer aquilo, só treinar, treinar, tem que manter o peso, restrições de vida. Outro aspecto, está rico, milionário. Acho que um camarada que fica sete anos com um cinturão deveria ficar definitivamente com ele, como premio, como a taça da copa do mundo, quando um país ganha três anos seguidos ou não.

E A FRATURA ?

– Foi um erro de leitura. Ele sabe que aquele pontapé na perna não é para finalizar, ele sabe que é para machucar. Eles acreditam que um pontapé bem dado pode tirar o camarada da luta, isso aconteceu. Pode sim, atingindo na coxa, por dentro, por fora. Ali não. A tíbia é mais fina em baixo e grossa em cima, perto do joelho. A parte fina dele, atingiu a parte mais grossa do adversário, quebrou. Ele deve ter treinado umas quinhentas vezes aquele pontapé, para machucar, para machucar. Não é assim. Aquilo tem uma lógica, tudo tem uma lógica.

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