LEVIRDADE, LEVIRDADE, ABRE AS ASAS SOBRE NÓS

Não pela campanha do seu time no estadual e na Liga, porque não acredito em magias de quem pega um esquema montado na pré-temporada por outro treinador. Muito menos, pela sua coragem de enfrentar os desmandos do “dono do time”, o Fred. A melhor contribuição de Levir Culpi ao Fluminense, e ao futebol brasileiro, foi retornar ao banco de reservas. Permanecer ali sentado, quietinho, deixando o talento aflorar dos pés e da imaginação dos seus comandados.

Nossos grandes treinadores, entre eles Zagalo, Pinheiro, Parreira, Coutinho e Evaristo de Macedo jamais levantaram do seu banco de reservas para inibir seus artistas. Eram diretores de uma peça teatral ensaiada durante a semana que domingo precisava da liberdade de improviso. Da inovação. Neste palco outrora sem gritos, com respeito à criação, sem os berros do Jorginho, os assobios do Tite, gestos teatrais do Muricy, passarela para os lançamentos da griffe da filha do Dunga, fluía a capacidade inesgotável dos nossos gênios da bola. Não tiques, manias, toques expostos dos seus comandantes.

Certa vez, num Fla-Flu, Carlos Alberto Torres, lateral tricolor, levou uma pancada e saiu de campo. Jogando pelo Flamengo por aquele setor, corri em direção ao Luizinho pedindo que ocupasse aquele vazio. Certamente Miguel iria sair para a cobertura e poderia abrir espaços para as arrancadas do Zico. Quando levantei a cabeça, Dirceuzinho, ponta-esquerda tricolor, já ocupara aquele lugar. Atravessara o campo na velocidade da sua inteligência em pensar o futebol como um todo. Embora rara, aquela atitude, quando emergia por puro instinto, deixava ali exposta a vocação daqueles que se tornariam grandes treinadores. Quem fazia apenas o seu e cumpria à risca sua função, poderia até ser auxiliar técnico. Como o Murtosa, o Marcão e o Dunga.

Quando o Édson entrou e recebeu a bola do jogo, aos 23 minutos do segundo tempo, percebeu um zagueiro do Voltaço vindo em sua direção. E o Osvaldo, livre, penetrando às suas costas. Neste milésimo de segundo o jogador, o ator, o cantor, precisa de todos os recursos que os conduziram até ali. A capacidade com que superaram peneiras, barreiras, concorrências para, sem nepotismo, fisiologismo ou o auxílio de cotas, estar honrando aquela camisa. Um berro ali no momento da decisão estragaria tudo. E do banco veio, felizmente, o silêncio. E na liberdade concedida de expressão, ele avançou e decidiu por si mesmo a partida.

Obrigado, Levir Culpi, por voltar ao banco e assistir o seu trabalho ser coroado pelo improviso. Sua consagração, ou o retorno aos tablados para novos ensaios, dependerá da iluminação de cada Antonio Fagundes, cada Magno Alves que você devolveu a liverdade para voar.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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