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Depois, procurado pela imprensa, Valdir desabafou – “ Vocês podem registrar o gol, porque nunca mais vai haver outro igual. Sinceramente, quando olhei a bola dentro do gol, não acreditei que tinha feito aquilo. Para mim aquele gol não existiu, mas infelizmente tenho que ser realista. Não tive nem coragem para ir buscar a bola e, cada vez que olhava para dentro do gol parecia que estava sonhando”.
Dessa forma, o JORNAL DOS SPORTS, definiu um dos lances mais inusitados do Maracanã. O próprio Valdir escreveu um conto sobre o lance, publicado em seu blog, que reproduzimos aqui como um fato jornalístico importante, que marcou para toda a vida a história do jovem goleiro catarinense.
16 de março de 1969.
Sexta-feira, dia do meu aniversário, o trajeto da escola pra casa foi longo. Nos últimos dias, eu só pensava nos presentes que iria ganhar.Bom, a camisa do Vasco eu sabia que papai ia dar. Agora, será que ele atenderia o meu segundo pedido? Domingo tem jogo no Maracanã e eu tô doido pra ir. Será que ele me leva? À tarde eu tinha cursinho de inglês e tava louco para encontrar o goleiro do Vasco. Ele também estudava por lá, um horário antes do meu. Esbarrava com ele na saída e, de vez em quando, eu ensaiava um:
“Oi, eu sou o Mauro, torço pelo Vasco”. Mas, cadê coragem? Naquela sexta, ele não apareceu. Eu ia pedir uma vitória do Vasco de presente, no domingo, contra o Bangu.
Ele devia estar concentrado.
-Parabéns, Mauro, 12 anos. Você tá ficando velho, hein cara?
-Pois é, pai, já pensou no meu presente? Me levar ao Maracanã no domingo? Tem clássico, o Vasco joga contra o Bangu.
-Feito! Vamos com bandeira e tudo mais.
-Legal, pai! Pai, você sabe que o goleiro do Vasco também estuda inglês no Ibeu? Eu entro na aula logo depois dele. Pô, pai! O cara é grandão, e fico sem graça de falar com ele.
-Bobagem, meu filho. Vai ver o cara é gente boa e você nem conversa com ele.
-Falô, pai. Vamos ao Maracanã no domingo. Vou pedir pra mamãe passar minha camisa e ajeitar minha bandeira. Quero ficar bem no meio da massa.
Naquele domingo, o Maracanã recebeu um ótimo publico, uns 50 mil espectadores. A maioria absoluta de vascaínos. Um pequeno grupo de banguenses agitava à esquerda da tribuna de honra. Fiquei ali, bem no meio da galera vascaína, tomando Mate Leão e comendo Chica Bom. O Vasco começou bem, fez um a zero e perdeu um pênalti incrível. A bola chutada pelo Buglê foi parar na arquibancada. Menos mal que já estava um a zero. O primeiro tempo foi chegando ao fim. Aos 45 minutos o imponderável acontece e me emudece. Emudece a todos no estádio. O goleiro do Vasco faz uma defesa sensacional. Ao tentar repor a bola em jogo, arremessa-a contra o seu próprio arco. Marcando um incrível gol contra. Meus olhos não acreditam no que vêem. Meu pai está perplexo.
-Que coisa inacreditável! – Ele mal consegue balbuciar.
Seguem segundos que parecem uma eternidade. Eu levanto e bato palmas para o goleiro, o público me acompanha. Sinto o que ele deve estar sentindo. Desolação, medo do futuro. Os times descem para os vestiários. O intervalo parece nunca acabar.
Os comentários não cessam. Que estupidez, dizem uns. Absurdo, dizem outros. O que teria acontecido ao Valdir?
– Será que ele vai voltar para o segundo tempo?
Fiz figa. Quando ele subiu o túnel, retornando para o segundo tempo, pensei: “Estes serão os 45 minutos mais longos da sua carreira. Um novo erro poderá custar a sua aposentadoria precoce no Vasco, e no futebol”. Valdir fez um ótimo segundo tempo e o placar não mudou, 1 x 1.Voltei pra casa enrolado na minha bandeira, silencioso, triste.
Prometi a mim mesmo que segunda-feira iria falar com o goleiro na escola. Dar um alô e dizer que estava tudo bem, que ele iria superar aquele momento. Custei a dormir, a segunda não chegava. Fiquei atento no portão, esperando a saída do Valdir. Para minha tristeza, ele não foi ao instituto naquela tarde. Nunca mais o encontrei. Soube depois que ele fora jogar no Sport do Recife. Assim, nunca pude dizer a ele que, apesar de ter estragado o meu aniversário, eu tinha certeza de que brilharia no meu Vasco, e ainda me daria muitas alegrias.
Valdir Appel Nasceu em Brusque (SC), em 1º de maio de 1946, filho de Rosa e Herbert Appel (in memoriam). Casado comRosélis Appel, é pai de Isadora e Eduardo Herbert. Iniciou carreira no Paysandú, de Brusque, profissionalizando-se em 1963. Emprestado ao América do Rio, em 1965, teve seu passe adquirido em 1966 pelo Vasco da Gama, onde ficou até 1972 e foi bi-campeão de aspirantes (1966-67) e campeão carioca (1970). Jogou no Carlos Renaux (Brusque), Palmeiras (Blumenau, SC), Sport Club do Recife (PE), Campo Grande, Volta Redonda e Bonsucesso (RJ), América e Alecrim (RN),Ceub (DF), Goiânia, Atlético de Goiás e Rio Verde (GO), onde encerrou sua carreira, em 1982. “O Goleiro Acorrentado” é o seu segundo livro. Em 2006, publicou Na Boca do Gol. Valdir é supervisor de vendas da Swedish Match do Brasil, em Santa Catarina, empresa onde trabalha há 24 anos. Seu hobby é pesquisar o futebol no seu rico acervo e escrever crônicas bem humoradas sobre os bastidores da bola.
Foi Buglê que bateu o pênalti. Pensava que foi Eberval