EXCLUSIVA COM ZICO
“BRASIL E ESPANHA SÃO OS FAVORITOS”

Falar com Zico é mais fácil que com qualquer jogador da seleção da CBF. Não pelo que eles pensam que jogam, nem pelo que acham que representam para o futebol brasileiro e mundial. Nem precisa passar por “assessores de imprensa”. Marcamos às 16 horas, no CFZ. Às 15 o celular tocou. “Vou atrasar um pouco, desculpe, mas está confirmado”. Cheguei cedo ao clube e parei numa vaga, na sombra. “Ei, aí é o lugar do chefe”, disse sorrindo o Administrador do clube, José Matos. Zico chegou, estacionou  ao lado e começou a maratona. Depois de duas entrevistas para televisão conversamos enquanto ele descansava. Mais duas equipes esperavam a vez.

– Você já sabe o que penso sobre certos assuntos, fica mais fácil. Vamos lá.

Muitos anos de convívio, amizade e  confiança mútua nos dão esse privilégio. No maior time do Flamengo de todos os tempos não havia regalias. Nem para Zico, o maior de todos. As coisas mudaram por lá ?

– Isso é questão de administração. Resta saber se está tudo em dia como foi a contratação, o que está escrito no contrato, qual o dever de cada um, quais são suas obrigações. É o tal negócio, você deve ao funcionário ?. Alguns acreditam no patrão. Isso depende da administração de cada um. Se o Flamengo está satisfeito assim, está ganhando, vamos ver quando perder se vai continuar assim. Não vou criticar nem elogiar ninguém, cada um cuida da sua empresa da maneira que é.

A três meses da copa, o grupo da seleção está fechado, embora Dunga negue isso. E se aparecer um novo Zico, um Pelé, vai ficar fora ?

– É difícil, mais difícil. Eu apareci em 74 e não fui e acho que poderia ter ido. Seria muito importante se eu tivesse ido em 74. Fui o melhor jogador do campeonato brasileiro, ganhei a Bola de Ouro, estava aparecendo e não fui. E naquela época tinha três meses para se preparar. Mas não fui nem para brigar por uma vaga, simplesmente não fui.

A discussão é se Ronaldinho Gaúcho deve ou não ser convocado. Para o Galinho, uma decisão que deve ser tomada por Dunga, mais ninguém.

Eu quando fui técnico da seleção japonesa em nenhum momento fechei a minha lista. Mas há uma lógica. Você dá oportunidade a uma porção de gente. Alguns não participam, outros estão lesionados, um deles fica um ano sem jogar, mas o cara é fera. Aí o time ganha a Copa da Ásia, a Copa Kirin, nas eliminatórias o time vai muito bem, aí fica difícil um cara desse voltar. Os outros estão bem, dando produtividade, fica difícil tirar um cara desse.

Sería o Caso do Ronaldinho ?

– Eu acho assim, o Dunga deu oportunidade na seleção. Ninguém pode reclamar que não teve chance. Quem jogou, quem não jogou, quem jogou mais, quem jogou menos, todo mundo teve a sua vez. Com esse grupo ele jogou a Copa das Confederações, ganhou, jogou a Copa América, ganhou, foi o primeiro nas eliminatórias. Aí um jogador ou outro, que teve oportunidade, sabe, o que todo mundo fala é o caso do Ronaldinho. Nas olimpíadas de 2008, na China, poderia levar 22 jogadores, sendo três acima de 23 anos e ele foi um dos escolhidos, então não tem nada contra ele, que foi um dos caras de confiança. Dos três de confiança ele foi um deles, ele levou. É uma questão de confiança com os outros que, na opinião dele são os melhores do momento, podem resolver.

 

Você convocaria o Ronaldinho ?

– Eu gosto do Ronaldinho, não é isso, não sou o técnico da seleção. Eu levaria, outro não levaria, não é isso. O Dunga está seguindo um trabalho planejado, que está dando certo, isso é uma opção, ele não está fazendo injustiça com Ronaldinho. Falam do Julio Baptista, mas ele foi lá, contra a Argentina e meteu gol, jogou muito e foi campeão. O Adriano ganhou a posição como, na Copa América ! Foi lá, meteu gol e decidiu o torneio. Quando o time dá resultado em competições oficiais, não foi contra Mali, Samoa, não foi isso. Eu acho que tem que analisar essas coisas. Ta confiando no grupo, ta fechado, então pronto, não tem o que se discutir.

Você confia no time, acha que vai a copa como favorito ?

– Claro, tem todas as chances, é um dos favoritos. Pelo que eu vi na Europa, destaco somente duas seleções, para o meu gosto, Espanha e Holanda. A Espanha está jogando muito bem, confiante, com jogadores de qualidade. O Piqué é uma bola, do meio-campo pra frente nem se fala, com Xavi e Iniesta. O Xavi joga muito, o Villa,  o Torres é um baita atacante e agora surgiu um ponta no Sevilha, Jesus Navas, excelente. Muitos jogadores de alto nível. Nunca a Espanha teve tantos jogadores, uma geração igual a essa, com qualidade. Jogadores que atuam fora do país, todos de muita qualidade. É um timaço, mas há aquele problema de tradição, camisa, essas coisas todas que pesam numa copa do mundo.

Quem o Zico destaca como maior jogador do mundo ?

– Messi. Esse desequilibra. Joga muito, tem uma visão de jogo impressionante é muito rápido de raciocínio, veloz, muito difícil de ser marcado. Pode ser o grande nome da copa, mesmo a gente sabendo que na seleção argentina ele não tem o mesmo rendimento. Pode ser questão de posicionamento que o Maradona ainda tem tempo para corrigir. Esse é craque.

Alguma revelação por aqui que possa ser destacada ?

–  O Neymar, do Santos. É um jogador diferenciado. Há muito tempo eu não via um jogador igual. Irreverente, com muita visão de jogo, muito maduro para a idade dele. Tem muita noção do que está acontecendo em campo e sabe o que faz com a bola e sem ela.

O Flamengo jogando para menos de dois mil pagantes, Vasco com quinhentos torcedores, Fluminense e Botafogo, onze mil. Estão fechando as portas ?

– Comentei isso com Rubinho (Rubens Lopes, Presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro). Muitos jogos sem apelo. Flamengo e Macaé, Flamengo e Boavista, isso cansa. Sabe quando o Manchester vai jogar assim, três vezes, por isso é o Manchester. O Juventus vai jogar assim, nunca. Joga na Copa, que é eliminatória. Joga uma em casa. Na Inglaterra é um jogo só, perdeu ta fora. Depois jogam entre eles. Há o nível baixo, nível médio e nível alto. Não pode o Flamengo que tem um orçamento de dois  milhões jogar onze jogos deficitários. Já que querem fazer um campeonato para os quatro grandes irem à final, faz um campeonato com os pequenos depois jogam com eles. Não pode seguir com esse modelo. Tem a Copa do Brasil, Taça Rio, Taça Guanabara, os pequenos ficam em atividade. Não é tirar a chance deles, quebrar todo mundo, não é isso. É preciso encontrar uma forma que dê lucro, isso sim. Desse jeito não dá, jogar um clássico por turno, às vezes com os dois já classificados.

A Fifa resiste em não usar os recursos eletrônicos nos jogos.

– Sou totalmente a favor. Não tem cabimento você trabalhar quatro anos e perder uma copa com um gol de mão, uma bola que não entrou e o juiz dá gol. É muita coisa que está em jogo, que é isso. Ah, futebol é bom por causa da discussão, nada disso. O futebol americano é assim. Para tudo, confere e dá o lance. Se foi, foi, se não foi volta tudo. Vai lá vê se os estádios não estão todos cheios. Claro, não vai ficar parando para ver se o cara estava impedido dois milímetros, olhar na televisão. Aí não. Eliminar um país (Irlanda, contra a França) por causa de um erro daqueles é duro.

Contra ou a favor da paradinha ?

Depende. Se for aquela parada em cima da bola, na hora do chute, sou contra. Acho válida a parada antes, como finta, o que diz a regra. Eu nunca dei paradinha, não lembro.

O futebol foi injusto com você alguma vez ?

– O futebol, não. Algumas pessoas que trabalham nele. Fiquei muito magoado, foi uma grande frustração não ter disputado a Olimpíada de 1972, em Munique.  Fiz um torneio pré-olimpico maravilhoso, marquei gols importantes, estava em grande fase e fiquei fora. O time era maravilhoso, tínhamos tudo para ganhar o ouro, eu poderia contribuir mas não fui chamado. Foi a maior injustiça comigo e nunca vou esquecer.

Um convite para dirigir um time brasileiro seria estudado ?

– De maneira alguma. Técnico no Brasil nem da seleção. Não há a menor chance. Primeiro por minha ligação com o Flamengo. Querendo ou não faço parte da história do clube, onde passei grande parte da minha vida, desde menino. Vou aproveitar as férias, curtir meus dois netinhos  e aguardar a chegada do terceiro que vem aí.

Zico consolidou sua posição como treinador ?

– Estou trabalhando para isso, mas penso que sim, tenho esse direito. Ganhei alguns títulos importantes, disputamos uma copa do mundo com o Japão, tenho uma postura estruturada como treinador, sim. Mas aprender nunca é demais. Tenho um grande suporte do Edu, que me ajuda muito e estaremos sempre procurando melhorar.

 

De quem você assimilou mais idéias para ser técnico ?

– Foram alguns importantes na minha carreira. Destaco Fleitas Solich, Jouber, Cláudio Coutinho, Paulo César Carpegiani, Edu e Telê Santana, que tinha todas as qualidades dos demais e fazia questão de praticar o futebol belo. Praticava o jogo limpo, nunca falou em falta, parar jogada, bater, nada disso. Um grande treinador.

 

É cada vez mais gratificante conviver com Zico. Entrevistando ou acompanhando seus movimentos, como fizemos por três horas. Desceu do carro e foi direto ao menino Gabriel, de 10 anos, acompanhado dos pais. Com paralisia cerebral, precisa fazer uma cirurgia na China. Zico gravou para a campanha, num belo improviso e saiu feliz. Depois da segunda entrevista para uma Tv do Piauí, outra gravação de campanha para a pequena Gabriela, que necessita um tratamento especial. Zico é isso. A preocupação com os semelhantes, as ações sociais e a postura fazem dele mais que um ídolo. É um abençoado.