CAPOEIRA, BARTITSU, ÁFRICA E SHERLOCK HOMES

Quilombo do Leblon, 26 de julho de 2010

Recebo e-mail de brilhante doutorando em Filosofia, campeão de Tae Kwon Do e atento pesquisador de Artes Marciais, propondo trabalho-laboratório sobre Capoeiragem. Mais especificamente sobre a Capoeira Utilitária (luta de verdade, sem marmelada). do Senhor Agenor Sampaio (foto), o famoso paulista-carioca Sinhozinho.
Propostas das mais sérias e oportunas (e de fácil realização), como bem sabe todo aquele que entende ser a multi-facetada Capoeira também uma Luta Eficaz. Entretanto, há um estranho e lamentável obstáculo inviabilizando essa proposta: o fato de que quase todas as “lideranças capoeirísticas” (?) preferem as versões teatrais, tipo exportação de luxo. Não havendo, portanto, nem como nem por que insistir nessa excelente e mais do que oportuna proposta.
Da minha parte, conseqüentemente, limito-me a trocar preciosos registros históricos com meia dúzia de excelentes mestres-pesquisadores e, de vez em quando, escrever livros, artigos e crônicas. Procurando sempre salientar a influência das culturas africanas e a inestimável contribuição do Rio de Janeiro no fenômeno Capoeira. Fenômeno que, hoje em dia, em que pese algumas distorções e lacunas, vai se consagrando no mundo inteiro.
O presente artigo, sobre o estilo de luta Bartisu, é bom exemplo. Qual será, afinal, a origem do Bartisu? Em sua extremamente informativa “Sala Prensa Internacional”, na Internet, o espanhol Javier Rubiera Cuervo, presidente da Agrupación Española de Capoeira Deportiva e da Federação Internacional de Capoeira (FICA – www.capoeira-fica.org), um dos mais profícuos e respeitáveis pesquisadores da atualidade, transcreve interessante apanhado sobre a gênese da mencionada luta.
Bartitsu teria sido criado pelo inglês William Barton-Wright, engenheiro de ferrovia, que trabalhou três anos no Japão, onde aprendeu o jujitsu, na famosa Escola de Jigoro Kano. Ao retornar à Inglaterra abandonou sua carreira e abriu uma Escola de jiu-jítsu. Em 1800, Barton-Wright escreveu artigo intitulado “Uma Nova Arte de Defesa Pessoal” (A New Art of Self Defense). Sistema por ele batizado de. “Bartitsu,”, obviamente cunhado em função da mistura do seu próprio nome – Barton – com “jujitsu”. O novo método, entretanto, foi além do jiu-jitsu puro, pois incluía também, elementos do box, kickbox e da luta com bastões ou bengalas ( stick fighting). Mais adiante Barton abriu o Bartitsu Club, passando a convidar alguns dos melhores mestres de diferentes artes marciais de várias partes do mundo.
Algo parecido aconteceu no Brasil, especialmente aqui no Rio de Janeiro, onde nasceu o Valetudo. Resultado dos inúmeros confrontos do jiu-jítsu brasileiro dos Gracie, com os mais variados campeões de outras lutas. O Bartitsu, assim como o Valetudo Brasileiro, portanto, podem ser considerados formas embrionárias do que hoje se consagra como Mixed Martial Art.

Por oportuno é imperioso registrar Sherlock Homes! Ou melhor, seu autor-criador Sir Arthur Conan Doyle. Em seu livro “The Adventure of the Empty House”, Conon Doyle apresenta um Sherlock Homes virtuoso na arte do Bartitsu.
Assim como os livros de Jorge Amado enaltecem Mestre Pastinha, com esse seu romance, Doyle colocou o Bartitsu na literatura marcial do mundo. Muito bem, muito curioso, mas onde estará a ligação, ou mesmo a possível ligação com a África e com a capoeira brasileira dos tempos modernos?

Muito simples. Para explicar, podemos começar por outra curiosidade, dessa vez, musical: Penny Lane, música consagrada pelos Beatles (letra de Paul McCartney).
James Penny foi um grande proprietário de navios tumbeiros, tanto assim, como informa Luis Fernando Veríssimo, foi escolhido para defender o tráfego (tráfico?) de escravos no Parlamento quando a prática começou a ser contestada.
No SÉCULO XVIII, mais de um milhão e meio de africanos aportaram, como escravos, em Liverpool. A cidade chegou a dominar 40 por cento do tráfego mundial.
Ora, ora, como não especular sobre a probabilidade dos “capoeiras” do N`Golo e os “capoeiras” do moringue (outro lado da África & Oceano Índico) terem desembarcado também em solo Inglês, levando embrião do jogo-luta da
pernada e da cabeçada?
Por que, então – não faltará quem interrogue – Sir William Barton-Wright não mencionou a contribuição do africano na criação do seu “valetudo inglês”, no seu “mixed martial art” pioneiro? Resposta especulativa: preconceito, soberba!?
Admitir componente africano na composição do Bartitsu significaria fechar a Academia no dia seguinte. Pois logo apareceria a versão inglesa de um Sir Sampaio Ferraz. Lembre-se que o Bartitsu apresentava-se como “The Martial Art of Gentleman”!
Em que ficamos, então?
É só refletir sobre as fotos que ilustram esse artigo.
O mote é, pelo menos, instigante, que outros pesquisadores mergulhem mais fundo nessas águas.

André Luiz Lace Lopes nasceu no Paraná, mas vive há muitos anos no Rio de Janeiro. Ou melhor, na cidade do Leblon. Jornalista e administrador, com mestrado na Universidade de Syracuse, em Nova Iorque, é autor de seis livros (um com versão em francês) e mais de trezentos artigos e crônicas sobre Administração, Cultura Popular Afro-Brasileira e Esporte em Geral.
Entre diversas experiências profissionais, foi redator da Rádio Roquette Pinto, superintendente administrativo do Clube de Regatas do Flamengo, Diretor do Escritório de Assunto da Juventude, na OEA, em Washington DC e assessor técnico do Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Mestre André Lacé, uma das maiores autoridades em se tratando de capoeira, nesse País, nos brinda com mais esse artigo.

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