As
Impregnada em minha alma, passei a notar, desde então, o quanto tem sido injusta nossa sociedade com a cor mais bonita do nosso país. Aquela que nos concedeu o Rei do Futebol e introduziu ao bolo da nossa genética, feita de doses de nativos com levas de portugueses, a cereja da diversidade. Sem ela, a parte negra de nossa historia, seríamos tão previsíveis quanto os irlandeses. E igualmente alegres e criativos quanto os noruegueses.
Passados 47 anos em que ergueram aquela faixa de gaza nas Laranjeiras e 128 anos da Abolição, iremos nós, a parte branca e amarelada não discriminada da nação, tomar nossos centros de consumo nesta sexta-feira durante o Black Friday. E poucos irão notar, no afã do consumo, na busca de um celular mais barato, que nenhuma loja liquidará outro produto com tamanha competência quanto o faz com aquele cidadão postado em pé ao seu lado, discreto e invisível perante nossa insensibilidade, trajando o uniforme da cor de sua cútis a proteger cada supérfluo do desejo.
De acordo com o ultimo censo do IBGE, 83% dos negros no país são prestadores de serviço. E apenas 20% alcançam o curso de Engenharia, 17% o de Medicina, Odontologia e 8% deles chegam a magistratura – sendo que 50% com o auxílio do regime de cotas. Após esconder os jogadores lá no fundo do campo, o nosso Black Friday vai concentrar, no fundo dos nossos templos de consumo, uma nova senzala formada por manobristas, motoristas e entregadores de madames e de pizza. Suas etiquetas, manchadas com o Lápis Vermelho da vergonha, serão seus crachás que lhes vedarão o direito de circular por ali e fazer compras com suas famílias. Como quase todo mundo. Nas periferias do Barra Shopping, do Village Mall e do Rio Sul, continuarão mantidos em cativeiros diante de um país que aprendeu a cultuar o mais cínico e im placável dos racismos.
José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.