Ave, Mancini

Ele foi contratado para realizar uma pré-temporada atípica:  dirigir em 2017 um clube de futebol sem time. Todos os outros treinadores que disputariam com ele o estadual, a Recopa, a Copa Sul Americana e a primeira divisão do campeonato brasileiro tinham perdidos alguns jogadores e contratados outros. Mantiveram as suas bases, no máximo em um mês um novo sistema tático estaria definido. Com Vagner Mancini foi diferente: teve que organizar uma nova comissão técnica, nem o massagista ele encontrou no vestiário, e formar um novo time, já que perdeu para a posteridade dezessete jogadores. Não encontrou nem titulares, nem reservas.

Quem os levou foi quem o iluminou nesta espinhosa missão: recusou vários medalhões que se ofereceram em meio a um mar de altruísmo e fraternidade que se formou pelo país e pelo mundo, e montou um elenco de bons jogadores que carregavam, acima de tudo, uma história de superação e luta.  Do Flamengo veio o Luiz Antonio que estava no Sport, o Atlético Mineiro cedeu Lucas e Dodô, do Palmeiras Nathan e Vitor Ramos, o Londrina colocou o Caike à sua disposição e o São Paulo emprestou o Reinaldo. Douglas Grolli veio do Cruzeiro e Apodi, Neném, Osman e  Wellington Paulista foram indicados por ele. Por mais que fosse um técnico rodado, nos primeiros coletivos teve que perguntar a um deles, como um treinador da base, “Em qual posição você se sente melhor meu filho?”.

Mesmo assim, como num milagre após o desastre, a bonança após a tempestade, conseguiu armar um time tão competitivo que alcançou o título estadual. Foi vice-campeão da Recopa e está classificado para as semifinais da Copa Sul Americana, ao lado do Flamengo. E após dez rodadas do campeonato brasileiro, ocupa a décima terceira colocação à frente de Atlético Mineiro e São Paulo. Vagner Mancini, sua comissão técnica e todo seu elenco, mereciam ser reverenciados. No mínimo, respeitados. Mas ontem, sete meses depois de toda esta bonita história de reconstrução, saíram de campo vaiados após perderem em casa  para o Atlético Mineiro. A imagem de um torcedor da chapecoense exaltado, xingando os jogadores ao final da partida, só contido pela polícia, nos faz refletir: Será que o luto acabou? Sabemos que o oficial decretado é de três dias, em caso de um Presidente da República, como Tancredo Neves, ele foi de oito dias.  E quanto ao falecimento de um clube de futebol onde a emoção está sempre colocada acima da razão?

Segundo a psicologia, “O luto complicado não é definido por seu tempo de duração. Trata-se da compreensão de um tempo de Kairós, que designa o momento certo, e não o tempo de Chronos, que mede a quantidade de dias ou de horas”. Compreensão de um tempo. Seria mesmo pedir muito para um universo que vaia até minuto de silêncio, que fica na tocaia esperando o ônibus adversário passar com pedras na mão e que não é capaz de enxergar, mesmo jogando em casa, o valor destes novos heróis que o criador enviou para substituir os seus.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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