Toda criança tem direito a uma família e a conhecer suas origens no momento de seu nascimento. Essa é uma regra máxima escrita no artigo 7º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Hoje se tem oficialmente cerca de cinco mil crianças inscritas no Cadastro Nacional do CNJ, disponíveis para adoção, e, em contrapartida cerca de 30 mil pessoas ou casais habilitados para adota-las.
O que impede essa conta de fechar? Primeiro o preconceito dos adotantes que elegem crianças ideais como se estivessem numa feira de bonecas. Depois pela ineficiência e inabilidade dos juízes e promotores que trabalham nessa área como operários que examinam a qualidade dos produtos. A relação interpessoal exige regras menos rígidas e maior emoção nas relações entre pessoas.
Não há nenhuma fila de noivos e de noivas, salvo nos programas de auditório que brincam com os sentimentos das pessoas e na internet que aposta nas aventuras entre desconhecidos. O encontro de pessoas que se amam não se dá apenas na troca de nomes em cadastros que correm paralelos sem se cruzarem. É por isso que pessoas que se encontram afetivamente não podem ser separadas por decisões judiciais frias e sem emoção.
O texto legal que impede que uma pessoa ao encontrar uma criança abandonada, salvando-lhe a vida, se habilite para adotá-la, por mais que tenha em conta o respeito a um critério de já habilitados foge da regra do critério do maior afeto e melhor interesse da criança. A falta de critério dos Tribunais na escolha de juízes sensíveis e vocacionados é outro fator prejudicial ao interesse superior da criança.
Uma juíza que traz no seu DNA uma situação de abandono familiar não poderia nunca ser juíza da infância porque seu procedimento será sempre o de retardar e prejudicar os processos de adoção. Um juiz que coloque seu interesse de vaidade pessoal de ocupar esse cargo será um fracasso na missão de aproximar as pessoas certas. Talvez essas sejam algumas das razões que permitem que crianças se eternizem nas entidades de acolhimento, inadequadas porque causam estresse intenso as pessoas em processo de desenvolvimento e consequências gravíssimas na saúde mental e social desse ser em formação.
De que adianta investir numa família biológica que não tem capacidade de amar o ser que gerou, se há tantas capazes de dar esse amor? O afeto não se adquire de forma consanguínea. Aliás, há muitos filhos biológicos que nunca foram amados por seus pais e esse fato demonstra-se através dos comportamentos agressivos de uns e de outros. Em contrapartida, quantos casos de encontros afetivos exitosos se dão através das adoções? Se a família biológica mostra-se indigna de ter em sua companhia amando e respeitando os filhos gerados, não há que se insistir em nome de critérios econômicos ou sociais.
Com tantas pessoas habilitadas, a situação jurídica dessa criança tem que ser solucionada de forma definitiva com brevidade. Milhares de crianças permanecem em situação de abandono por anos sem fim, aprisionadas em razão dessa insegurança jurídica gerada pela incapacidade dos magistrados de decidirem em favor do melhor interesse das crianças. A devolução das crianças quando já em processo de guarda com famílias adotivas são capazes de gerar danos psicológicos e irreparáveis, aumentando a intensidade da insegurança.
O caso da menina Duda, com decisão judicial mandando devolvê-la à família biológica após longo período de abandono e maus tratos e de um exitoso período de guarda provisória com uma família habilitada para adoção emoldura essa falta de sensibilidade que precisa ser corrigida urgentemente sob pena de continuar causando sérios danos á formação de crianças abandonadas, já tão martirizadas pela falta de afeto.
Siro Darlan, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.