Tive
Usava seus soldados à exaustão, explorava o melhor do seu fundamento em prol da tropa. No terreno inimigo, então, com o adversário mais confiante, explorava cada trincheira desguarnecida pela prepotência. Quando, em 1978, enfrentamos o Palmeiras, no Pacaembú, e vencemos por 3×1, com gols de Nunes e dois de Luiz Fumanchú, mandou que colasse em Rosemiro. O lateral do Verdão, titular da seleção, carregava o míssil da vitória.
Suas subidas fulminantes, abastecida por um incrível preparo físico, com cruzamentos perfeitos, davam a seguidos artilheiros, como Toninho, a fama de matadores. Neste sábado à tarde, não joguei. Nem ele. Acompanhei-o até o vestiário, colei no seu pé, em seus cruzamentos, e quando estava a ponto de me socar, gritava ao pé do seu ouvido uma mensagem do chefe: “Desculpe, Rosemiro, meu treinador mandou colar no melhor do time!” Envaidecido com o elogio, curtia seus momentos de fama, nem reclamava, se achava o cara com o ego atingido.
E no contra-ataque, com o vazio às suas costas alargadas de tanto orgulho, caia o Nunes. Outra hora o Betinho. E caiu junto, nas semifinais do campeonato brasileiro, toda a Academia. Fico imaginando a nossa seleção sacrificando, domingo, dois dos seus protetores de zaga, poderia ser o Fernando e o Luiz Gustavo, colados o tempo todo em Xavi e no Iniesta. Nossos esforçados marcadores e poucos armadores são 80% de luta e 20% de criação.
Já Xavi e Iniesta são, ao contrário, 85% criação e 15% marcação. O respeitável Tic-Tac só desperta em direção ao gol quando a bola passa por seus pés. Sem os dois, e ficou provado quando são poupados, a Espanha é muito mais Tac do que Tic. Já derrotaram todos aqueles que tentaram marcá-los por zona porque a zona organizada por eles os tornam insuperáveis. Poderemos ser mais uma equipe a ficar na roda se não formos humildes, e prepotentes, a ponto de acreditar que um passado de glória pode, em pleno Maracanã, subestimar a magia destes dois novos maestros da orquestra mais competente do futebol atual.
Deixá-los livres, com suas batutas, a reger uma orquestra campeã européia e mundial. Os mexicanos fizeram isto com o Pelé em 1970, encheram o estádio asteca e deixaram um vazio em campo pro nosso Rei se apresentar. Assim foi com o Liverpool, que foi a Tóquio disputar o mundial, em 1983, e fez com Zico, Junior, Andrade e Adílio uma marcação por zona. O resultado está marcado pela história.
Segundo o mestre Evaristo, quando tivermos a bola, jogaremos. Sem ela, cada um cola no seu. O meu era Rosemiro. O do Brasil será, na decisão, Xavi e Inieta. E aí, vamos pro Maracanã fazer uma festa para assisti-los, ou mataremos no nascedouro o lançamento de duas bombas que vão cair não em Hiroshima e Nagasaki, mas num momento em que a nação fez as pazes com sua seleção, e quer seguir unida e confiante rumo a sua Copa do Mundo?
José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.