Uma discussão tola, que se arrasta há anos, chegou às salas da CBF, que na verdade já deveria ter se manifestado há muito tempo, partido dela uma decisão espontânea e séria, sem agradar ao sistema. Afinal, quem é campeão brasileiro? Vamos tentar entender esse problema, criado por uma parte da imprensa, não se sabe por que razão. Outro grupo, ao qual me incluo, defende, sem clubismo ou bairrismo, a importância de cada campeonato, separadamente. O que parece mais sensato, sem querer induzir o leitor, claro. Uma coisa é uma coisa. A outra não tem nada a ver.
A história todos conhecem, mas vou lembrar rapidinho para quem ainda não entendeu direito. Primeiro foi criada a Taça Brasil, disputada em sistema de copa, realizada entre 1959 e 1968, reunindo algumas (isso mesmo “algumas”) das equipes campeãs do País. O vencedor seria indicado representante brasileiro na Copa Libertadores da América. Organizada em caráter oficial pela CBD, sua antecessora, até agora a CBF não a reconhece como um torneio oficial, bem como o Torneio Roberto Gomes Pedrosa.
As diferenças começam quando o Regulamento da competição separa os times mais fortes para a segunda fase. Doze clubes iniciam a disputa: ABC, Ceará, Atlético PR, Hercilio Luz, Auto Esporte, Sport, CSA, Bahia, Ferroviário-MA, Tuna Luso, Rio Branco-ES e Manufatora-RJ (assim mesmo, com O). Por que o privilégio ?
Na segunda fase, aparecem dois “grandes”. Atlético Mineiro, que elimina o Rio Branco, e o Grêmio (RS), que afasta o Atlético Paranaense. O Bahia elimina o Ceará, depois de empatar em 0x0 e 2×2, vencendo na terceira partida por 2×1. Na semifinal, o “tricolor de aço” eliminou o Vasco, perdendo a primeira (0x1), e vencendo a segunda (2×1), forçando mais um desempate em sua campanha, fazendo 2×1 eliminando o time carioca.
Na outra semifinal, o Santos eliminou o Grêmio, vencendo a primeira partida por 4×1 empatando a segunda em 0x0. A final, histórica e muito badalada, foi decidida entre o Bahia, que fazia uma campanha razoável, mas tinha um bom time, e o poderoso Santos de Pelé, no auge da forma, apesar dos somente 18 anos. A primeira Taça Brasil, entretanto, ficou marcada como uma das maiores “zebras” da história do futebol brasileiro.
O Santos, achando que a copa seria disputada em dois jogos programou uma excursão ao exterior após a decisão. Mas não foi bem assim. Já na primeira partida o Bahia aprontou em cima do “peixe”, derrotando o todo poderoso time de Pelé por 3×2, na Vila Belmiro, com um gol de Alencar nos últimos minutos, depois de estar perdendo por 2×0.
O segundo jogo, em Salvador, foi vencido pelo Santos, em dia de inspiração de Pelé, que levou o time a uma vitória por 2×0, adiando a decisão. A diretoria do Santos não quis jogar a terceira partida em Salvador, como constava no regulamento, e exigiu campo neutro. A CBD atendeu, claro, e marcou a decisão para o Maracanã.
Essa partida deveria ser jogada dia 30 de dezembro, mas o Santos argumentou que não tinha datas disponíveis. A CBD manteve a data programada e o presidente do Bahia, Osório Vilas Boas, entrou na jogada e concordou com o Santos. A data foi remarcada para 29 de março de 1960. O Bahia estava abatido com a derrota em casa e teria tempo de se recuperar emocionalmente. Mais que isso, poderia preparar o time fisicamente, enquanto o Santos se arrebentava na excursão a Europa, jogando a cada 48 horas. Para piorar, Pelé retornou com problemas e teve que operar a garganta, ficando fora da final.
Na noite do dia 29 de março de 1960, o Maracanã recebeu um grande público para assistir a decisão da primeira Copa Brasil, com a maioria torcendo para o time do Bahia. O Santos ainda não tinha torcedores no Rio e a colônia baiana fez a festa reforçada pelos cariocas, que não admitiam torcer por um clube paulista.
Frederico Lopes, árbitro carioca, apitou a final que foi muito complicada. Coutinho fez 1×0 para o Santos. O Bahia empatou com um gol de falta cobrada por Vicente. Leo fez 2×1 para o Bahia, no início do segundo tempo. Aos 24 minutos o árbitro expulsou Getulio e Formiga, do Santos. Aos 32 minutos Coutinho também foi expulso, junto com Vicente. Cansado da excursão e com 8 jogadores, o Santos apelou para as faltas e se descontrolou totalmente.
Dorval agrediu Henrique e Também foi expulso. O gramado virou campo de batalha e a Policia Militar entrou em campo para garantir a sequência do jogo. Aos 37 minutos o Bahia marcou o terceiro gol que lhe garantiu o primeiro título da Copa Brasil. Para ser campeão, o Bahia jogou contra o CSA, Ceará, Sport, Vasco e Santos, realizando catorze partidas. Venceu nove, empatou duas e perdeu três. Na verdade, foram dois jogos contra times grandes: Vasco e Santos, decididos na terceira partida, o que aconteceu também contra o Sport, na segunda fase.
Fica difícil comparar a Copa Brasil com o atual Campeonato Brasileiro. Dar o mesmo valor a ambos é um erro. É impossível imaginar que alguém com bom senso queira misturar as coisas, como estão fazendo. Argumentar que as duas competições classificam para a Taça Libertadores carece de sustentação. Não há como pôr no mesmo balaio o Bahia, que jogou 14 vezes e o Flamengo, último campeão brasileiro, que fez 38 jogos. No mínimo, não respeitaram o critério técnico, que é o primeiro valor de uma competição séria, responsável, isenta.
O que não é esse caso.