Leonardo
Professor de História da UFF de Campos e flamenguista.
Terminada a partida de volta das semifinais da Champions League entre Bayern e Barcelona, não restava um pingo de dúvida sobre a justiça do placar (3×0 em favor da equipe alemã). Na verdade, 7×0 no placar agregado. O que discutir depois disso? Muita coisa. Nada – repito – sobre se foi justo ou não a classificação e o triunfo do Bayern. Sobre isso não cabe a menor discussão. Mas sim sobre as consequências sobre o mundo do futebol. Essa é uma questão em aberto, que será alvo de muita especulação e até teorias por muito tempo ainda – ao menos até o início da próxima temporada. Outra discussão importante é sobre o modelo de organização tática que irá prevalecer pelos próximos 10 anos.
Na verdade será que este resultado é tão profundo assim? Será que o alardeado fim do ciclo do Barcelona é um fato? Mas muitos retrucarão: o Messi não jogou, ele estava machucado no primeiro jogo; pelo menos três gols do Bayern no primeiro jogo foram ilegais etc. A discussão é válida. Os dois lados têm seus argumentos. Mas é preciso que se reconheça que os adeptos anti-Barça estão na crista da onda neste momento. Contra números não tem discussão: 7 a 0. Sete a zero. Com direito a olé (ou hôlê, conforme entoavam os alemães presentes no estádio) e tudo no Camp Nou. E assim temos que aturar o Galvão Bueno dizendo, por exemplo, que o estilo de jogo do Barcelona é pouco vertical (?). Confesso que não consigo entender bem o que o estriônico e ufanista locutor quis dizer com isso, mas me pergunto o que acham sobre isso as dezenas de adversários que foram literalmente massacrados pela equipe catalã nos últimos anos, com sonoras goleadas, vendo o Messi e cia. passear pelo campo, sem poder fazer nada, a não ser correr atrás feito figurante de filme dos Patetas ou de O Gordo e o Magro, a exemplo do Santos naquela partida de 2010.
Foi de dar pena! Mas o que quero trazer aqui é o que considero mais urgente e angustiante para nós que somos obrigados a respirar o intragável futebol brasileiro. Quero falar a respeito de um certo sentimento, eivado de rancor, ressentimento e despeito para com o Barcelona por parte de várias figuras da opinião pública e da crônica esportiva nacionais. Um verdadeiro sentimento de ódio que foi se consolidando com as sucessivas vitórias – na maioria das vezes acachapantes – do time do Barcelona. Mais do que analisar a derrota do Barcelona ou comemorar a vitória do Bayern – seja por uma improvável simpatia pela equipe bávara, seja por uma admiração pelo estilo de jogo alemão – o que se vê é um indisfarçável regozijo com a derrocada do time da Cataluña. Eles fazem questão de tripudiar, fazer pouco caso e, principalmente, vibrar escandalosamente o placar de 7×0.
Não faltaram “mas não era o melhor time do mundo?”, “mas não era o time de 90% de toque de bola, de passes rápidos, dribles mágicos”, “cadê o Messi?”. O rancor é mais do que visível. Por pouco não produz mal-cheiro. Mas por que tanta raiva? Por que tanto recalque? Ora, as pessoas têm o direito de torcer pelo time que elas quiserem. Mas no caso dessa torcida anti-Barça tupiniquim o buraco parece ser bem mais fundo (e de um odor desagradabilíssimo). Não se trata aqui de questionar um direito. Trata-se isso sim de expor uma questão de fundo. A questão que motiva tanta mesquinharia e pobreza de espírito. E isso se vê confirmada quando passamos os olhos na cobertura da imprensa internacional. A sua quase totalidade exalta a “conquista” do Bayern, demonstra certa preocupação com um possível fim do ciclo da equipe que encantou o mundo nos últimos 5 anos. É claro que há espaço para piadas e brincadeiras. Mas até os argentinos, ao fim e ao cabo, reconhecem e rendem homenagens ao que o Barcelona conseguiu oferecer não apenas a sua torcida, mais aos amantes do bom futebol, do jogo lindamente jogado por todo o mundo.
Time de passes rápidos sim, do tal do tiki-taka, de triangulações intermináveis, de muita posse de bola. Mas de muita marcação também, em todo o campo, sufocando os adversários por todo o jogo, deixando-os literalmente sem ação nem reação (algo que uma certa equipe alemã aprendeu a fazer, inspirando-se no Barcelona, ora, e não no ASA de Arapiraca…). E era com isso e por isso que jogava quase que os 90 minutos no campo do adversário. E em certo jogos, passavam a maior parte do tempo na intermediária rival mesmo. No fim o que a imprensa internacional quer dizer é o seguinte: “Perderam. E ponto. Mas muito obrigado por tudo que vocês fizeram pelo futebol. Se ele voltou a se tornar agradável, isso se deve a vocês. Muito obrigado Barcelona!”. É isso. E palmas para o Bayern.
É inadmissível que no ardor dos festejos da comemoração da derrota alheia, os adeptos rancorosos do futebol pobre e mal-jogado não reconheçam a revolução efetuada pelo Barcelona. E nisso a digital de Pep Guardiola é mais do que vísível (mas não esqueçamos da contribuição de Cruyff, Reikard, e – principalmente – dos seus brilhantes jogadores, tendo Messi, Xavi e Iniesta como protagonistas). E essa revolução começa efetivamente a partir de dois pressuposto básicos, distintos, mas totalmente interligados: 1º) a melhor maneira de me defender é atacando o adversário; 2º) para tanto, eu tenho que ter por maior tempo possível a tal da posse de bola. Mas é preciso esclarecer: os dois conceitos básicos defendidos e aplicados tenazmente pelo Barcelona parecem ser triviais, pois que aplicados por muitos times, há tempos. Quem não se lembra do surrado jargão: “a melhor defesa é o ataque”? Nada disso: o Barcelona inovou ao introduzir alguns componentes que fazem a mediação entre esses conceitos já tradicionais, tornando-os modernos, atuais, quase revolucionários: grande preparo físico e condicionamento, objetividade, compactação e grande mobilidade e variação na ocupação de espaços (com os jogadores exercendo mais de uma atividade durante o jogo – algo que uma certa equipe alemã conseguiu desenvolver nos últimos meses….).
O Barcelona se movimentava como um bloco compacto. Coeso. Integrado. Para horror dos adversários. Pois bem, teríamos elementos mais do que suficientes para lamentar a derrota do Barcelona. Talvez não. Quem sabe a vitória do Bayern esteja demonstrando que seu modelo de jogo está começando a ser implantado em outros times? O que nos leva a indagar se as diferenças entre o estilo de jogo das duas equipes são tão radicalmente diferentes assim. Será? Tudo especulação por enquanto. Ou talvez mais uma falsa polêmica, algo tão ao gosto da mídia, sem a qual ela não venderia jornal. Mas é preciso voltar à proposta anterior: o que motivaria tamanho contentamento de cronistas brasileiros com a derrota da equipe culé? Parece-me que tamanha comemoração dos rancorosos de plantão tenta esconder algo de fundo. Mas que diabos seria isso? O indisfarçável rancor e mesquinhez dos apologistas do fim do Barcelona não se dão conta que eles acabam expressando algo muito mais grave: a situação do futebol brasileiro.
Na verdade essa é a grande questão de fundo que dá inteligibilidade a sentimento tão rasteiro. Para começar, façamos um pequeno e pueril exercício: alguém no mundo, por mais mesquinho que seja, inveja o Olaria, o XV de Jaú, o Itapipoca, o Talleres, o CRAC, o Cremonese, o Acadêmico de Leixões ou o Penápolis? Preciso responder…? Taí, temos um primeiro motivo de tanta inveja ao Barça: ele é grande demais. Ele é fantástico. Ela foi a melhor e mais formidável equipe do mundo, sem bater, sem gritar, sem comprar juízes, sem botar seguranças para bater na equipe rival, sem insuflar sua torcida a invadir o gramado, sem se dopar, sem ir ao tapetão, sem se servir de retrancas bizarras, de anti-jogo, cusparadas, pisões, xingamentos. Não! Nada disso. Ele foi grande e conquistou o mundo jogando futebol: simplesmente isso.
O Barcelona ousou se dedicar a jogar única e exclusivamente isso: futebol! E ao entrar em campo, fosse contra o Málaga, fosse contra o Chelsea, ou o Almería ou o Real Madrid, ele só queria isso: jogar futebol. Mas jogar com prazer, esbanjando leveza, unindo jogo e beleza. E principalmente: ele não só quis, teve desejo, não é que o danado do time conseguiu. Foi capaz de efetivar o que sempre pretendeu, o que sempre treinou toda a semana, de segunda a sexta. Sim, eles conseguiram. E aí vem a questão primordial. Algum time, equipe ou seleção é capaz de fazer algo parecido, mesmo que de longe, com o que o Barcelona conseguiu fazer? E aqui escrevo novamente: preciso responder…..???? Mais é aqui que reside o grande problema. Não só o Brasil não consegue realizar algo parecido, como o que se vê aqui é dantescamente distinto do que se passa não só no Barcelona, como na Europa como um todo. O rancor e a constrangedora inveja contra o Barcelona não é mais do que um efeito do mecanismo de recalque desses cronistas em face da situação de extrema indigência em que se encontra o futebol nacional nesse exato momento.
Vibrar com a derrota do Barcelona serve como um alívio para pessoas na verdade desesperadas com o fato de que o Brasil e o futebol brasileiro não passam hoje de um cadáver para a crônica internacional. Na foto acima, a única coisa genuína se encontra escondida: a enorme pança do Fenômeno. Ver o Barcelona cair serve como um escape para pessoas que antes ganhavam a vida cobrindo o melhor futebol do mundo, com campeonatos superavitários, onde estádio cheio era a coisa mais comum, a ponto de ter ocorrido por diversas vezes jogos envolvendo times como Madureira, Olaria, Bonsucesso e América no Maracanã. E as testemunhas ainda vivas dessa época juram de pés juntos que os públicos facilmente ultrapassavam a casa dos 30-40 mil pagantes (fato raro nos dias de hoje até em clássico). Sinatra, arrebentando no Maraca, antes de ser atacado pelo Beijoqueiro…. Hoje essas pobres criaturas são obrigadas a encontrar ânimo e algum tipo de motivação para festejar e vibrar com um futebol que se não é o mais pobre, está há anos-luz abaixo do que se pratica nos principais centros europeus.
Mas para isso é preciso esconder muita coisa. Jogar para o tapete. Recalcar mesmo. Como festejar um futebol cuja confederação é liderada por um sujeito acusado de participar indiretamente da prisão e tortura de presos políticas ao tempo da ditadura militar? O comentário sobre essa espúria situação por parte de Wadih Damous, um dos membros da Comissão da Verdade, é mais do que pertinente: “É como se a Federação alemã de futebol fosse presidida durante a Copa do Mundo de 2006 por um ex-membro do Partido Nazista”. Para completar, o sujeito ainda foi pego subtraindo uma medalha de um jogador corinthiano da categoria júnior. Como é possível pensar em futebol decente tendo situações como essa, de fazer inveja à República de Sucupira?
Roberto Marinho com alguns dos baluartes da Democracia brasileira: Costa e Silva (autor do AI-5), Figueiredo e ACM. Gargalhar com o fracasso de Messi e seus companheiros permite – aos olhos vesgos dessas criaturas – fechar os olhos para a indigência dos campeonatos que se praticam nesse país. Com estádios às moscas, sujos, quase vazios, com médias de pública que ultrapassam pouco mais de 2 mil espectadores. Média essa inferior a qualquer campeonato, nem digo europeu, mas da Àsia ou da América Latina mesmo. A média de público do campeonato peruano, croata, grego, equatoriano, cipriota e boliviano é certamente maior. Os campeonatos no Brasil não são apenas ruins. Eles são um risco à saúde. Eles matam de tédio. A animação do torcedor dispensa comentários. Alguns campeonatos por pouco não foram paralizados por falta de estádio. O do Rio é um exemplo. Sem o Maracanã – que custou 1,6 bilhão para os cofres públicos e que será entregue nas mãos do Eike Batista – ficou também sem o Engenhão. Estádio construído há 6 anos, mas que já ameaçava desabar. Além disso, vários outros estádios caindo aos pedaços, eis os exemplos do Ítalo Del Cima, do Americano, do Bonsucesso, do Olaria, da Portuguesa.
Torcida vibrando com mais um espetacular jogo do campeonato paulista. Não é exagero pensar que a isso se deva a baixíssima qualidade dos jogos praticados nessa terra. A impressão que se tem é que muitos jogadores já não tem o menor saco de asrriscar suas pernas e correr kilometros em autênticas peladas, com jogadores e times pífios, verdadeiras equipes de várzea, em gramados esburacados, alguns pintados de verde para esconder as partes peladas. Alguns sem luz. Alguns com luz, mas que acaba no meio do jogo. Um cenário de horror. Depressão líquida e certa.A situação aqui é melhor do que no Engenhão, pois a árvore não ameaça cair. E é um absurdo ver que mesmo por eles ainda se mata. Como se não bastasse a indigência dentro de campo, fora dele presenciamos um festival de selvageria, com batalhas campais, pancadarias e – lógico- um sem número de mortes.
Mais de 40 pessoas foram mortas desde 2006 por conta de futebol no Brasil. Não satisfeitas, as organizadas começam a matar para além das fronteiras brasileiras. Pior para o pequeno e jovem Kevin, morto no jogo entre o time boliviano do San José e o Corinthians. Que teve o crânio fulminado por um sinalizador criminosamente lançado por um psicopata travestido de torcedor. Corintianos forçam o alambrado no estádio de Oruro, também conhecida como Penitenciária. Além da violência insana e absurda fora dos gamados há que se destacar o tradicional desrespeito ao torcedor: estádios sem banheiros adequados, sem estacionamento, sem lanchonetes, sem organização. Sem venda de ingressos decente, via internet por exemplo (algo trivial em outras partes do mundo). Partidas à noite, quase de madrugada. Os horários e locais das partidas são modificados a todo tempo, a toda hora. Que se lixe o torcedor. Que se lixe o cidadão.
Quem manda querer se divertir. Quem manda ele achar que o futebol é o patrimônio cultural do país, da sua cidade? Bolachas e baguetes sendo distribuidas gratuitamente aos torcedores. Regozijar com a derrota do Barcelona recompensa corações aflitos com tamanha indigência. Torcer contra o Barcelona funciona como uma espécie de compensação: “veja, eles também perdem. Eles são como nós. Eles também sofrem derrotas”. Lembro que no auge do Barcelona, os seus detratores adoravam dizer: mas eles pintam e bordam contra times fraquíssimos. Eles se referiam aos Alavés, Hercules, Vallecanos, Osasunas, Shaktares, Apoels, Boavistas e Hosenborgs da vida (como se o Barça não tivesse feito pedacinhos, por muitas vezes de times como Chelsea, Arsenal, Manchester, Benfica, Bayern, Real, Milan, Santos etc. etc. etc.). se apegar a esse argumento ridículo serve para esconder a indigência de nossas equipes. Nem falo das pequenas. Várias delas se não fecharam estão caminhando para a mais crua falência (Campo Grande, Guarani, Novorizontino ….). Falo das grandes mesmo. Uma dessas equipes ao invés de lotar suas arquibancadas do seu precário e risível estádio com sua torcida(também riível), tem o costume de receber a visita de ratos. A mesma equipe que teve de recorrer a carros pipas em 2012, pois teve a água cortada por falta de pagamento. O que era isso diante do fato de um menino ter morrido no seu centro de treinamento há pouco mais de 1 ano. Cujas condições eram as piores possíveis, típicas de um campo de concentração, de um Carandiru futebolístico.
Torcedor atento a mais um empolgante jogo em são Januário. Aqui, aproveitando o intervalo para tirar uma bela soneca. Vejamos a situação do Flamengo, que só deve 750 milhões de reais. É preciso dizer mais alguma coisa ? (Preciso responder?) Mas a nossa derrota é desproporcional. A derrota de nosso futebol não é apenas esportiva. Ele é expressão de outras derrotas. A começar pela derrota de nossa cidadania. Ela é expressão de nosso sistema político, incapaz de ter uma política nacional de esporte, mas sempre pronta a perdoar dívidas de times de péssima administração, incapaz de punir dirigentes corruptos. Incapaz de regulamentar o futebol no Brasil, deixando que ele seja conduzido ao bel prazer da cartolada incompetente, corrupta e nefasta; com o conluio de uma rede de TV que se alimenta dessa situação, para exercer de maneira mais cômoda e tranquila o seu pernicioso monopólio.
Salve
Bela crônica.
Uma dúvida, é verdade que os grandes times da Europa pertencem legalmente a um ou um grupo de pessoas?
Uma pergunta: O que vc acha sobre o Atlético Mineiro? Mesmo sendo botafoguense admiro o futebol do Galo.
Em minha opinião Cuca é o melhor técnico do futebol brasileiro.
Abç