Uma
No futebol não é diferente. A bola pune com uma velocidade impressionante os Adrianos da noite, Ronaldinhos dos pagodes, Jobsons das madrugadas, Michaels das Xeréns nebulosas. Devolve para o anonimato, retira das ultimas páginas esportivas e coloca nas primeiras policias quem ousa brincar com sua receita única de sucesso.
Quem há de esquecer os três minutos épicos em que Rock Balboa, lento e aposentado, deixa seu restaurante, pega o seu cachorrinho e corre pelas ruas de Nova York, sobe escadas, levanta pesos tentando convencer, com uma trilha sonora marcante, seus fãs que poderia voltar a lutar por um título mundial? Em 120 minutos de exibição, sem aquele “esforço”, nem o maior dos fãs sairia do cinema acreditando naquela história. Treinamento, dedicação, superação e conquista. Não há outra receita para o sucesso dentro e fora das quatro linhas.
Ou alguém acha que o Zico nasceu batendo faltas daquele jeito? Quando acabava os treinos, os aspirantes a jogadores comuns se dirigiam as duchas. Ele não: colocava uma camisa pendurada no ângulo das traves e ficava horas tentando acertá-la, até que dominasse por completo a força, o ângulo e a direção que deveria bater na bola. Os que imaginaram que Senna nasceu aprendendo a dirigir na chuva, só quando suas memórias foram publicadas que souberam que ele era o único piloto a treinar em dias de chuva. Os outros “motoristas” se recolhiam com medo da gripe e pisavam no freio diante das poças que para seu domínio eram apenas trechos da pista um pouco mais escorregadia.
Mas existe um perigo à vista a ameaçar toda esta trajetória de luta que o Globo Esporte explora com uma competência incomum: a bola azul. Ela está sendo testada no campeonato da Segunda Sedução e tem o poder de superar as fases preliminares da preparação e alcançar a glória em apenas meia hora. Quando ela entra em campo, sua trajetória rumo ao gol dispensa o flerte, as mãos buscadas no escurinho do cinema, o convite para jantar. O whisky antes, o cigarrinho depois. Não tem que acordar cedo, vir do subúrbio de trem levado pela mãe que desviou o dinheiro da feira para levá-lo a um teste no Vasco. Basta pegar a bola azul, troféu antecipadamente erguido sem esforço ou preparação e entrar com ela e tudo na cara do gol. Simples assim. Triste assim.
Com a bola azul acabou a magia daquele chute passando raspando a trave que a torcida gritava úúúúúúú! O penalty perdido, a onda que ao Medina engoliu, a falta que bateu na barreira ou o piloto que derrapou na curva. Ela veio para ameaçar na vida, espelho do esporte, a busca incessante, fascinante e insegura, que concede aos desportistas, amadores e profissionais, o sagrado direito de falhar. E cobrir de glórias quando uma esfera branca, original de couro, às vezes até pintada de brocha, fura a retranca e nos joga nos braços da amada. Digo, no meio da galera. Nem a Nike, a Puma ou a Adidas ousariam fabricar, a pretexto de aumentar o êxtase dos atacantes, esta bola fria, precisa e calculista da Pfizer.
José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.