À BEIRA DE OUTRO ATAQUE DE NERVOS

O final de semana esportiva estava com todas as suas lentes voltadas para a estréia de Ronaldinho Gaúcho contra o Grêmio. Caneta e papel a postos para não escapar qualquer sensibilidade originária do seu raríssimo talento, liguei a televisão mais cedo para um aperitivo: conferir a volta de Ricardo Gomes ao Engenhão. Em uma tarde noite fadada a nossa maior paixão, que pena, quem a dominou foi um sentimento de compaixão. Quase ao final do melancólico Botafogo 0 x 0 Luverdense, uma cena de comiseração, dó e piedade, que pouco combina com o vigor e a energia exigidos de um comandante à frente dos seus comandados, tirou o gosto e o prazer  do cardápio inteiro: ao tentar alcançar um copo de água no chão, Ricardo Gomes desnudou, à beira de outro ataque de nervos, o quanto ainda  carrega as limitações herdadas de um AVC. E foi difícil para todos nós, seus admiradores, rever cenas que nos reportaram àqueles tristes momentos vividos ali mesmo quando treinava o Vasco.

Uma pena que todos do mundo da bola, envoltos pela chegada do Guerrero, pela agonia vascaína e distraídos pelo leilão por Ronaldinho, não lhe avisou que apenas Renê Simões poderia suportar tudo aquilo. Uma equipe limitada montada no limite orçamentário de uma segunda divisão. Mas que ele, um craque consagrado, não resistiria a assistir com a pressão 12×8 uma zaga composta por Renê Fonseca e Diego Giaretta. Diante das dificuldades encontradas por sua dupla de área para realizar coberturas, antecipar e sair jogando, sua mente reentrou em conflito. E uma voz, porque berrar sua formação não permitiria, não seria capaz de realizar o milagre de transmitir em tempo real conhecimentos e categoria. E o desconforto, acumulado durante 90 sofridos minutos, foi retirando o prazer de ser útil e capaz na sua profissão. Ali em pé, impotente, o corpo reagiu mal, o sangue bombeado por passes errados entupiu as artérias do meio campo, e estas, entristecidas, se fecharam e interromperam o fluxo em direção ao gol. E descontrolaram o coração de toda uma estrela solitária que buscava uma vitória. Uma nação que não tem mais anticoagulantes da marca Gérson, Jairzinho, Roberto, Paulo Cear Cajú e Seedorf.

Telê Santana foi o primeiro treinador a sucumbir diante da mediocridade: depois de perder Silas, Cafu, Careca e Muller e tendo que treinar Bobô, Nei Bala e Edivaldo, teve uma isquemia cerebral que o fez abandonar o futebol. Recentemente, Murici Ramalho teve uma diverticulite quando o clube que treinava, o Santos,  perdeu Neymar, Robinho e Ganso e foi obrigado a retornar ao jardim de infância para comandar uma leva de meninos. Já treinadores que foram limitados jogadores, casos de Dunga, Felipão, Tite e Osvaldo de Oliveira, estes resistem mais porque foram tão limitados quanto e nada do que é produzido à sua frente causa desconforto. Pelo contrário, se impõe com mais facilidade porque quando a tropa é fraca qualquer um comanda. Até a seleção brasileira.

Portanto, Ricardo Gomes, dê um passo atrás em direção a supervisão do clube, a diretoria de futebol, a presidência do Fluminense FC, por exemplo, time que o formou como atleta e cidadão exemplar. Deixe o Renê Simões voltar porque só ele sabe guiar aquela grupo no limiar de suas produções. Afinal, foi ele quem o montou. Do túnel para dentro você, com seu equilíbrio, capacidade e experiência, pode colaborar com a reestruturação do futebol brasileiro e não ser outra vítima do seu pesaroso momento.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

 

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