DESCULPE-NOS, CRISTOVÃO

Não era qualquer um o autor da tese “Reflexões sobre a unidade original da raça humana”, publicado em 1830, logo após a proclamação da independência dos Estados Unidos. O médico Charles Caldwell era um pesquisador respeitado, formado pela Universidade da Pensilvânia, quando publicou que não havia uma unidade original dos homens. Deus, segundo ele, criou quatro espécies originais: caucasianos, mongóis, indianos e africanos. E afirmou que estes últimos eram inferiores perante os demais. A sociedade recém formada carregava a ideia da tal inferioridade dos negros, afirmando que eles eram adequados apenas para serem cativos.

Quarta-feira passada, contra o Vitória, em Salvador, o Vasco fez uma grande partida sob o seu comando. O goleiro baiano pegou tudo e o time da casa venceu pelo placar mínimo. Tudo normal. E você acabou demitido dia seguinte. Ontem, contra o Nova Iguaçu, Abel Braga fez tudo errado. Não mesclou por setores jogadores experientes com a nova safra, colocou em campo uma maioria de meninos que mais parecia um time de juniores treinando contra o de profissionais. No segundo gol, então, Nogueira disputou a bola como um juvenil, não protegendo o corpo, e o atacante do Madureira ganhou a disputa usando os ombros de um profissional. E Abel Braga, caucasiano, mongol ou indiano, perdendo a invencibilidade daquele jeito, atravessou o campo sem ouvir o coro a você direcionado nas ultimas partidas: Burro!Burro! Burro!

Desculpe-nos, Cristóvão, por aqui, durante a construção da nossa nacionalidade, ninguém teve a coragem de dizer que pessoas da sua cútis eram inferiores, para depois dividi-las nos ônibus, nas escolas, para mais tarde, a luz do dia, dos livros e dos filmes, rever cada conceito a ponto de ter a humildade de eleger um ex-inferior  a seu superior maior: Barack Obama Presidente. No Brasil, o racismo sempre foi enrustido, suas discussões sempre foram realizadas debaixo de uma enorme hipocrisia. São poucos médicos, nenhum diplomata e raros treinadores de futebol negros, como você, a enfrentar esta latente injustiça. Jair Ventura, tão competente quanto, já não sofre tanto, é mestiço, aliviam. E o seu pai também não é o Jairzinho.

Pensei nisto, e em você, após visitar ontem o BarraShopping. Devo ter saído do DeLorean do Dr. Emmett Brown ao entrar naquele centro de consumo, de volta ao passado, em 1830: os cativos, inferiores, continuavam a postos como seguranças, manobristas, varredores, chapistas do Bob´s, enquanto os brancos, mulheres e seus filhos, desfilavam em liberdade. Não encontrei um só negro liberto, talvez naquele mesmo instante no Nova Iguaçu Shopping encontrasse um, afinal, venceram uma batalha desigual por 3×1.

Desculpe-nos, Cristóvão, e parabéns pela sua educação, postura e irrepreensível conduta. Não protesta, não junta copinhos de água mineral para atrair os flashs, apenas trabalha para dirigir um clube de futebol em um país sem ódios e sem preconceitos. Para isto, vai precisar pegar uma carona naquela máquina de volta para o futuro do Dr. Brown. Quem sabe em 2037 não existam mais Euricos, preconceitos nas arquibancadas e os micos de viver cercado do mais cínico dos racismos.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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