Jóbson Bourne

Mesmo tendo, num certo dia da minha infância, saído em disparada pelos corredores do Cine Rex durante a exibição de Krakatoa, o Inferno de Java, apavorado por uma enorme onda que vinha crescendo para cima de mim, adotei o cinema como um das paixões da minha vida. Nenhuma fita, vídeo, BlueRay e seus Home Theatre tirou da sétima arte, com sua sala enigmática e escura, tela gigante, sacos de pipocas e lanterninhas, o título de diversão numero um da minha vida. Quando o enredo lhe pega, a tela e o silencio o absorvem como um livro, você viaja por aqueles minutos desligado de todos os ofícios e compromissos. Quando voltei refeito do susto da onda, peguei uma série de épicos como Ben-Hur.

A seguir, engrenei nos FarWest, assisti Carlitos, pornochanchadas de Reginaldo Farias, semanas santas com Jesus, até enveredar pelos contatos imediatos de todos os graus de Steven Spielberg. Sempre respeitei os amigos que foram assistir Almodóvar, Luis Bunuel, Kurosawa, mas preferia um fim de noite para distrair, relaxar, que não levasse para cama enigmas a mais daqueles que teria que resolver na vida real. De preferência, com final feliz para que os sonhos, não interrompidos pela faca elétrica, Jason, aquele boneco de olhos arregalados, fossem testemunhados pelos meus abertos e sobressaltados. Ultimamente, tenho sido flagrado na sala assistindo pela décima vez a trilogia Legado, Supremacia e Ultimato Bourne. Um agente da CIA preparado para matar, que perdeu a memória em ação e volta de uma missão fracassada para descobrir quem foi. Quando o botão do controle remoto passa por uma daquelas cenas de perseguições, e de suas escapadas mirabolantes, fico hipnotizado e não consigo avançar de canal envolto pela movimentação das cenas.

Até que no ultimo episódio, onde seu corpo, atirado sobre o mar de Manhattan, flutuava sem saber se seria o ultimo da série ou se subiria para dar sequencia à saga, lembrei-me de um personagem parecido, que reestreara há pouco sábado passado, no filme intitulado Botafogo x Sport, do Campeonato Brasileiro de Futebol. O ator era Jóbson Bourne, atacante do alvi-negro e agente da CBF. Retornando às telinhas após escapar de suspensões, dopings, multas e punições por faltas e farras, perdendo na ocasião a memória de quem se tornou um dia a maior promessa do futebol brasileiro, esperança da torcida ao marcar três gols em cima do São Paulo, Jóbson Bourne percorrera, em velocidade, todos os cantos do Estádio Raulino de Oliveira sem saber direito o que estava fazendo por ali. Antes, nos vestiários, frente ao espelho, com estranhos cabelos louros, aí mesmo não conseguira lembrar sua identidade.

Olhava para seu time em busca daquele quadrado de 2009, que o elevaram à efêmera glória, Lucio Flavio, Leandro Guerreiro, Jônatas e Reinaldo, mas só recebia bola quadrada dos que, agora, confundiam ainda mais seus caminhos: Airton, Ramirez, Mamute e Rogério. Como reviver aqueles momentos se o capitão não era mais o habilidoso “passageiro da agonia”, mas a própria agonia chamada Carlos Alberto? Como respirar lucidez num ambiente em que Wilson Gottardo e Jefferson se desentendem e seu presidente manda embora três agentes e um matador? Só nos resta, então, amantes da telinha, esperar pelos próximos jogos do Botafogo, cujos lances, repetitivos no futebol brasileiro, vão mostrar o destino de mais uma promessa preparada para matar, que começou nos juvenis, fez três gols e comprou um carrão, trocou a concentração pela noite, a namorada pela Maria chuteira, os amigos fiéis pelos esperto da vez e vai, recém agarrado a uma Bíblia, tentar tirar do fundo da zona de rebaixamento o que restou da sua carreira e de todos no Botafogo que ajudaram a formar um novo atacante. Que, infelizmente, tem insistido em atirar na própria direção do que nos inimigos goleiros adversários, dos quais foi concebido para eliminar.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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