PORQUE VOU TORCER DOMINGO PARA QUE O BOAVISTA PERCA

Nada contra a excelente campanha do time dirigido por Alfredo Sampaio, mas tenho sérias restrições ao Projeto Boavista, finalista da Taça GB, que procura seu espaço no futebol renegando valores sagrados ao esporte. O Boavista/Big Ball é uma empresa de futebol tendo como único e absoluto objetivo vender jogadores. Não pode, nem deve, ser confundido com um clube de futebol. Trata-se de um time. Não tem sede, torcedores, não possui sócios, como os clubes tradicionais, da capital e do interior, nem representam cidades, esta nova e salutar tendência de fortalecer o nome do município com a união dos clubes locais amparada pelo poder público. Como o Volta Redonda, o Nova Iguaçu, a Friburguense, o Murici e a Cabofriense.

Em entrevista ao jornal O Globo, na ultima segunda-feira, um dos seus quatro investidores declarou que  o único objetivo do time “era fazer um bom campeonato para vender jogadores”. E que a meta “era ter lucro, ou o menor prejuízo possível!”. O representante de Saquarema na FERJ, de verdade, era o Barreira FC, que com as dificuldades naturais dos clubes do interior, simbolizava a região e possuía até uma pequena e apaixonada torcida. Os treinos eram realizados na região dos lagos e os jogadores e a Comissão Técnica moravam na aprazível cidade fluminense.

O Boavista comprou o Barreira, em 2004, e Saquarema se tornou apenas a sede dos jogos do time em “casa”: os treinos são realizados em Xerém, os atletas moram no Rio e no segundo semestre trocam de camisa, vão defender o Caxias na série C do Brasileirão. Onde estão concentrados para a grande decisão? Num hotel na Zona Sul do Rio de Janeiro. Se o Boavista vencer o Flamengo, no domingo, não serão exibidas as lindas imagens da festa do campeão na sua cidade de origem, praças e avenidas não serão ocupadas, fontes luminosas não serão invadidas por torcedores exaltados, muito menos aeroportos e rodoviárias receberão seus heróis com festas e carreatas.

A Taça GB não irá para a sede do time (por favor, não chamem o Boavista de clube) apenas ornamentarão o frio e abastado escritório da Big Ball, na Barra da Tijuca. O máximo que ouviremos será um buzinaço promovido pelos que não tiveram a emoção de, um dia, torcer por um clube que representa uma nação. Mas se isto, infelizmente, acontecer, pobre do legado daqueles desportistas, símbolos de seus clubes, como Roberto Alvarenga, no Fluminense, e George Helal, no Flamengo, como tantos abnegados que amam o futebol e fizeram de suas vidas uma irrefutável prova de paixão e amor por seus clubes. Uma paixão sagrada, com escudo, divisões de base, hinos, cultuada nas arquibancadas, no trabalho, nos botequins e propagada por várias gerações.

O escudo que o Boavista ostenta na camisa tem uma árvore que não possuí raízes e cujos frutos não são vendidos por feirantes, mas por empresários. Não é justo, portanto, que os deuses do futebol abençoem um projeto tão frio e que joguem por terra simbolismos, como berço e tradição, na hora de ser escolhido um campeão. Ainda mais da Taça Guanabara, numa cidade chamada Rio de Janeiro, dentro de um país que venera o futebol, como o Brasil. Contra o fortalecimento das nossas agremiações esportivas, se esta onda pega, em breve os jogos serão acompanhados da Bovespa e disputados na Internet e em estádios vazios. Se é só para vender atletas, fica até mais rápido e objetivo.

Desculpe-me valorosos atletas e comissão técnica do Boavista, profissionais competentes, que alcançaram sua classificação derrotando o atual campeão brasileiro, mas sua vitória, para mim, significa renegar sagrados valores que aprendi a cultuar nos 7 clubes que defendi durante 17 anos como atleta profissional. Mesmo sendo tricolor, tomara que no domingo o clube derrote o time, seja consagrado campeão, e prorrogue um pouco mais o tempo em que a caixinha de surpresas dava as cartas no futebol, e não quem se apoderou da chave do cofre.

Zé Roberto | Ex-atleta do Flamengo e Fluminense

José Roberto Lopes Padilha (Zé Roberto), nasceu em Três Rios, no Sul Fluminense, é jornalista formado pela Unicarioca. Ex-atleta profissional de futebol, jogou no Fluminense, Flamengo e Santa Cruz. Técnico de futebol, é Coordenador de Esportes da Prefeitura de Três Rios. Escreveu três livros sobre futebol: “Futebol: a dor de uma paixão”, “À beira de um gramado de nervos” e do trabalho tático “55 Reversível”, editado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.

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