UMA HISTÓRIA DE SUCESSO

Reencontrar Amarildo tem mais que um sabor nostálgico. Além das lembranças do craque excepcional, cada vez que conversamos fico conhecendo novas histórias do jogador que tanto admirei, mesmo no meu período pré-profissional, ele jogando no Botafogo, inadmissível para um adolescente que torcia pelo time que tinha Dida como estrela maior, meu primeiro ídolo. Pois era assim, naquela fase de sonhos pensava porque aquele cracaço não jogava no meu time. Depois fiquei sabendo. Amarildo foi mandado embora do Flamengo porque foi visto com um cigarro na mão.

– É verdade. A gente estava concentrado e fui com o Décio Crespo que estava esperando telefonema da namorada e ele estava fumando. Como tinha que pular um balcãozinho para usar o telefone, não podia entrar  com o cigarro e pediu que eu o segurasse. De repente aparece o técnico (Fleitas) Solich e disse “señor Amarildo, usted fuma ?”, eu disse que era brincadeira. No Natal, eu ia pra Campos e perguntei quando voltaria. “Não precisa voltar”, disse o treinador. Cheguei ao Flamengo em 1956, levado por Paulinho, um ponta direita muito bom, que tinha sido tricampeão em 1955, era de Campos também. Fiquei dois anos no juvenil.

UMA TROCA QUE ACABOU SENDO BOA

– Na verdade, sim. Eu morava na Gávea e tinha me alistado no 8º (8º GaCosM, no Leblon, hoje desativado), precisava me apresentar. Lá tinha um time e eu jogava. O Paulistinha (ex-zagueiro do Botafogo), me viu jogando e perguntou se eu não queria ir treinar no Botafogo. Falou com o (João) Saldanha, que era diretor, chamou o Paulo Amaral, que era o treinador e a gente estava conversando quando o Zagalo me viu. A gente se conhecia do Flamengo. Ele disse “pode contratar que esse é bom, eu conheço”. Isso foi em 1958 e fiquei jogando dois anos no “aspirante”.

O grande momento do campista Amarildo Tavares Silveira foi na copa do mundo de 1962, quando substituiu Pelé, que se machucou contra a Checoslováquia, segunda partida pelas oitavas de final. O terceiro jogo, contra a Espanha, valia vaga para as quartas-de-final. Quem perdesse estaria fora. Os espanhóis tinham um excelente time que fez 1×0, com Adelardo, aos 15 minutos. Amarildo marcou os dois gols da virada, que garantiu a vitória e a passagem para as quartas-de-final. Foi o jogo mais importante de sua carreira. Depois do bicampeonato ficou conhecido como “Possesso”, através das crônicas de Nelson Rodrigues.

VOCÊ TEVE ALGUM PROBLEMA NESSE JOGO ?

– Não, nada. Os companheiros davam força, claro, mas eu estava absolutamente tranqüilo, talvez o brasileiro mais tranqüilo naquele dia. Sabia de minha responsabilidade, mas também conhecia meu potencial, tinha certeza que poderia fazer uma grande partida, mesmo com a responsabilidade de substituir o maior jogador do mundo.

HÁ MUITAS HISTÓRIAS SOBRE AQUELE DIA

– É, falam muito. Gente que nem estava lá faz comentários que a gente não sabe como eles surgem, mas isso é assim mesmo, a gente se acostuma. Claro que o vestiário era tenso, afinal era um jogo de copa do mundo, nosso time estava defendendo o título, Pelé fora, tudo isso criou um clima de ansiedade, preocupação, mas nada que não pudesse ser resolvido em campo. Há muita fantasia por se tratar de um jogo histórico, mas foi tudo normal, como qualquer jogo. Claro, havia a expectativa sobre o comportamento do time sem o Pelé, mas foi tudo bem.

QUAL FOI A ÚLTIMA DICA QUE TE DERAM ?

– Foi do Nilton Santos. A gente entrou em campo juntos e ele disse para jogar como no Botafogo, ficar tranqüilo, fazer a minha parte. Nada que eu não soubesse, mas partindo dele, o mais velho do grupo, craque consagrado, é bom ouvir isso. Mas eu tinha consciência disso, tanto que fiz exatamente o que fazia no clube, nada além. O ataque era quase todo do Botafogo, com Garrincha, Didi, eu e Zagalo, lá atrás o Nilton, eu me sentia em casa.

VOCÊ QUE TEM UMA RELAÇÃO HISTÓRICA COM PELÉ

– Ah, nem fala, o que já ouvi de bobagem … todo jogador que aparece jogando bem, se destacando vem logo a comparação dos teus colegas: “novo Pelé”, que é isso. Não se pode comparar o “crioulo” a nada nesse mundo. Ele era um jogador completo, inventava jogada, parecia que tinha um olho atrás, impressionante. Muito forte, grande impulso, bom cabeceio, chutava com os dois pés, domínio completo, visão de jogo, o maior de todos, não dá para comparar.

ALGUM LANCE DELE QUE TE MARCOU ?

– Sim, foi nessa copa, não lembro contra quem. Eu não estava jogando e o lance foi perto do banco onde eu estava. Ele recebeu uma bola, dominou no peito, pôs no chão e veio um zagueirão, branquelo, daqueles bem grandes e preparou um carrinho, por trás. Pensei comigo “vai matar o negão”, ele não estava vendo. Quando o cara deslizou na grama ele deu um toquezinho de nada, por baixo do cara, que passou voado. Ele olhou pra baixo , na cara do adversário e saiu com a bola. Parecia que tinha retrovisor, terceira visão, sei lá. Fiquei impressionado.

VOCÊ TAMBÉM FOI DECISIVO NA FINAL

– Depois do jogo contra a Espanha o time embalou, ganhou confiança, ficou mais forte, a gente sentia que dava para ganhar a copa. Chegamos a final sabendo que tínhamos muita chance de vencer o jogo. Havíamos empatado com eles, na primeira fase, conhecíamos algumas coisas que eles faziam. Era um timaço, na verdade, seria duro, merecia todo o cuidado e respeito. Tanto que fizeram o primeiro gol, logo aos 15 minutos, uma linda metida de bola que Masopust se adiantou na saída do Gilmar e marcou. Empatei dois minutos depois e respiramos aliviados.

PEGOU SCHROIF DESPREVENIDO ?

– Eu sabia que ele se adiantava, quando um jogador caia pelas pontas. Ele saia muito do gol, basta lembrar o terceiro, de Vavá, quando o Djalma (Santos) cruzou na área, longe da baliza e ele saiu precipitado e soltou a bola nos pés do nosso atacante. Ali liquidou o jogo, senti que o bicampeonato estava no papo. Eu recebi um passe e vi que podia passar entre dois zagueiros e forcei a corrida, passando fácil. Dei um toque, tirando do lateral e bati nas costas do Schroif, que tinha saído. Deu certinho. Aquela jogada estava na minha mente, foi planejada.

COMO VOCÊ FICOU SABENDO ?

– Fomos ver o jogo da Tchecoslováquia contra o México e o Paulo Amaral (preparador físico), que estava ao meu lado, me chamou a atenção para a colocação do Schroif. Toda vez que alguém ameaçava cruzar ele se mandava do gol. Guardei aquilo comigo e acabei fazendo o gol do empate, dois minutos depois que Mazopust fez o gol deles.

GARRINCHA TAMBÉM FOI DEMAIS

 – Ah, foi a copa dele. Jogou pelo Pelé, por mim, por todos nós. Estava em todos os lugares, fez gol de direita, esquerda, de cabeça, mandou bola na trave, nossa, fez tudo que um jogador do nível dele pode e sabe fazer. Eu ficava mais pela esquerda, onde gostava de jogar, quando o Zagallo voltava. De repente o Mané estava por ali, pertinho. Ele queria jogo, sabia que era a sua copa. E foi.

A COPA ABRIU CAMINHO PARA A ITÁLIA 

 – Em julho de 1963 fui vendido ao Milan, que tinha o Germano, Dino Sani, e o Mazzola. Fiquei até 1967, depois vendido para a Fiorentina, de 1967 a 1971 e encerrei minha carreira na Itália jogando de 1971 a 72, pela Roma. Foram dez temporadas maravilhosas, jogando ao lado de jogadores maravilhosos, entre eles Gianni Rivera, considerado o maior de todos os craques italianos. Um jogador fabuloso, genial. Em 1973 voltei ao Brasil, fui para o Vasco e encerrei a carreira no ano seguinte. Não tenho do que reclamar.

Amarildo foi um jogador especial. Formou em ataques que estão na história do futebol mundial, como a seleção brasileira de 1962, ao lado de Garrincha, Didi, Vavá e Zagalo, campeões do mundo, no Botafogo com Garrincha, Didi, Quarentinha e Zagalo, e no Milan, ao lado de Mora, Lodetti, Mazzola (o brasileiro Altafini) e Gianni Rivera, considerado um dos maiores ataques de toda a história do futebol italiano.

O INESQUECÍVEL MUNDIAL DE CLUBES 

– Foi em novembro de 1963. Um dos maiores jogos que participei na minha vida. Tínhamos derrotado o Santos, que tinha um timaço, talvez o melhor do mundo de todos os tempos, por 4×2 no San Siro e precisávamos da vitória para ganhar o mundial. Se perdêssemos teria o terceiro jogo. Nesse jogo fiz dois gols, Trapattoni e Mora completaram o placar. Pelé fez os dois gols do Santos, sendo o segundo de penalty. Os dois times estavam completos e pouca gente dessa partida, uma das melhores de todos os tempos, que jogo.

 O JOGO HISTÓRICO NO MARACANÃ

– Nosso time era maravilhoso e viemos ao Rio com uma vantagem excelente. Mais que isso,

Pelé estava fora, machucado, Zito e Calvet também não jogaram, fizemos 2×0 no primeiro tempo, gols de Mazzola e Mora, jogo ganho. Voltamos para o segundo tempo com uma grande vantagem e o pessoal queria jogo, eu pedindo para não acelerar, conduzir a partida ao nosso jeito mas não adiantou. Caiu um temporal violento e o Santos foi pra cima da gente. Pepe acertou uma bomba da intermediária, com 5 minutos e diminuiu. Aí foi uma loucura.

NÃO DEU PARA SEGURAR

– Não tinha como, o Maracanã lotado (132.128 pagantes) a torcida toda do Santos, que se identificava muito com o Rio, os caras foram pra dentro e Mengálvio empatou, de cabeça, 4 minutos depois, aí não tinha mais como segurar. Eu insistia para o pessoal segurar, tocar a bola mas não tinha como. Lima fez o terceiro e Pepe fechou o placar, o mesmo de Milão. Forçaram o terceiro jogo e ganharam por 1×0, de pênalti. O Santos sem Pelé, Zito e Calvet. Pelo menos participei de uma final que ficou na história do futebol mundial.

SÚMULA DO SEGUNDO JOGO

JOGO: Santos 4×2 Milan

LOCALMaracanã

DATA: 14-11-1963

PÚBLICO: 132.728 pagantes

ÁRBITROJuan Brozzi (Argentina)

1º TEMPO0x2 – Mazzola 13?, Mora, 18?

FINAL: 4X2 – Pepe 5?, Mengálvio 9?, Lima 19? e Pepe 21?

SANTOS: Gilmar, Ismael, Mauro e Dalmo, Haroldo e Lima, Dorval, Mengálvio, Coutinho, Almir e Pepe. Técnico: Luiz Alonso Perez (Lula)

MILAN: Ghezzi, David, Trapattoni, Maldini e Trebbi; Pelagalli e Lodetti; Mora, Rivera, Mazzola e Amarildo. Técnico: Luis Carniglia

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