Sobre dores e Dops

Acabo de chegar de outro check-up, junto ao meu ortopedista, Dr. Bruno Araujo Silva, que detectou um novo e preocupante quadro clínico: pós-artroses em meu tornozelo direito. Ano passado, passei a tratar da escoliose, que veio se somar ao eterno tratamento do meu joelho esquerdo, operado há dois anos pela quarta vez, cuja primeira cirurgia, em Recife, aconteceu em 1980.

Em 1998, descobri que meu trunfo maior, o pulmão, que julgava estar incólume como troféu por não fumar e ter no fôlego meu trunfo maior na profissão, estava baqueado após o Raio-X de uma reincidente gripe. Como meu estomago, que anda sofrido, pois desde os 16 anos recebeu, de cada departamento médico, dos 7 clubes que defendi durante 17 anos de profissão, doses semanais de Tandrilax, Voltaren a cada pancada, cada nova invenção que aparecia na preparação física.

Completei, em 12 de junho, 58 anos, mas a cada avaliação interna (  por fora, o estrago é visível, inerente a todo ex-atleta que se expôs ao sol e não teve o privilégio de conhecer o filtro solar), cada receituário indica que meus ossos, articulações e músculos já avançaram uma década. Ando,não corro, só nado, caminho  e escrevo. Logo existo, mas como tem sido dura e dolorida a vida de um ex-atleta que viveu sua formação junto aos filhotes de Cooper.

Até o Brasil perder a Copa da Alemanha, em 1974, os treinamentos físicos eram moderados, havia mais ênfase à parte técnica, e o que ministravam nos clubes era uma ordem unida que vinha dos quartéis. No rastro da ditadura que refletia no futebol, formou-se na Escola de Educação-Física do Exército, na Urca, uma nova turma, privilegiada no quesito censura, que, fincada na Confederação Brasileira de Desportos (CBD), foram convencidos pelos livros dos discípulos de Hitler ( que só eles tinham acesso)  como Dr. Keneth Cooper, que a parte física fora a principal responsável pelo triunfo alemão. E não a classe de Overath, Breitner e Beckenbauer.

A partir daí, os competentes e estudiosos professores (não podem jamais ser culpados, era a cartilha da época a ser seguida, em todo o mundo) Carlos Alberto Parreira, Raul Carlesso,  Cel. Calomino, Ismael Kurtz, Admildo Chirol, Claudio Coutinho, entre outros,  saíram pregando, (como em toda  seleção brasileira, o modelo é logo copiado país adentro) novos e revolucionários métodos de treinamentos. Máquinas Apolo e Gladiador foram espalhadas e inauguradas academias, mas os fisiatras e fisiologistas, então inexistentes, não davam suportes aos novos e assustados fisioterapeutas.

Não havia profissionais nem o que ser lecionado em universidades, de tão recente o assédio sobre o frágil corpo de atletas desamparados pela ausência nos clubes de nutricionistas. Paineiras e Vista Chinesa deixaram de ser, na cidade do Rio de Janeiro,  estradas turísticas para virar pista e se tornar programa obrigatório de preparador físico. E a cada  reapresentação do elenco tínhamos que subir e descer 5 km – e os tênis apropriados, com vários tipos de amortecedores, só estariam à disposição dos atletas décadas depois. Joelhos rompidos e meniscos esfacelados, ligamentos descruzados, fomos levados a diversas cirurgias, Reinaldo e Zico foram seus  maiores garotos propaganda – mas o atenuante aparelho de artroscópio só surgiu na década de 80.

Sou um legítimo representante-sobrevivente do tempo em que o jogador de futebol foi promovido a atleta. Uma privilegiada vítima. Jogava no CR Flamengo, em 1976, quando o Profª José Roberto Francalace  inaugurou a primeira maquina Apolo em um clube de futebol. Lá no cantinho da Gávea, junto à piscina. Um ano antes, C.A. Parreira, no Fluminense, nos levaria à praia pela manhã, antes do treinamento técnico da tarde, para inaugurar o regime de Full-time no país. Queria muito assistir as imagens de Copacabana, no começo da década de 70, para provar o que conto aos meus filhos: contávamos nos dedos quem corria no calçadão daquela praia. Eu e meu irmão Flávio, então jogador do São Cristovão, dentre os pioneiros, quando alcançávamos a Figueiredo Magalhães encontrávamos um outro corredor. Mais adiante, havia um outro a nos esperar, já na altura do Leme, para bater um “pega”, comparar desempenhos. Da Alemanha não vieram só os livros e os métodos, surgiram as poderosas Adidas e Puma, e ninguém segurou mais a indústria esportiva, em todo o mundo.

A pergunta é: quem vai pagar a conta dos danos que sofremos por sermos cobaias de tantas experiências com o corpo da gente? Tem remédios-grátis à disposição nas Farmácias do Povo? Aposentadoria com fator redutor, ressarcimento financeiro como os dedicados aos exilados e torturados políticos? A única diferença é que eles, presos políticos, iam para o Pau-de Arara, levavam choque escondidos, nós não, apanhávamos na frente do público, e, em laboratórios, levantávamos pesos, pulávamos barreiras, corríamos com coletes acolchoados de areia, desviávamos de cones e estacas. E ainda, com o que restava de pernas, tentávamos jogar futebol. Foram eles encaminhados, os presos políticos, para os porões do DOPS. Nós, para os túneis dos novos estádios construídos na esteira do autoritarismo, excursionando, e apanhando, nordeste afora.

Toda esta lembrança, surgida após o meu ultimo e preocupante  Raixo-X, (lembram-se?), veio à tona nesta semana quando o assunto contusões dominou o noticiário esportivo. Segundo Marcelo Adnet, em sua coluna em O Globo, trata-se do maior numero de atletas contundidos na história dos campeonatos brasileiros. Deco, Fred, Diguinho, Emerson, Carlos Alberto, Felipe, Fernando Henrique, Maicosuel, Juan, Renato Abreu, entre tantos, estão entregues a concorridos departamentos médicos.

Recém formado em jornalismo, troco o cursor pela chuteira e passo a defender uma nova avaliação sobre a preparação física atualmente instaurada em nossos clubes de futebol. Trocam-se os técnicos, a cada rodada, mas como ficam os músculos do Petkovic, as articulações do Leonardo Moura? Sabe-se que, dentro de campo, seu posicionamento era indicado por Andrade, Rogério Lourenço, depois o Silas e agora pelo Wanderley. Mas e quem projetou a planilha física no começo da temporada? Foi mantida e seguida por seus comandantes físicos? E afinal, quem são eles, desconhecidos e desvalorizados preparadores físicos, quando, a despeito de tal evolução, deveriam ser igualmente disputados, analisados e, principalmente, cobrados? Porque o Fred apareceu batendo boca com o médico, e nós assistimos, mas  e quem cuida da forma física do Fred, não teria que dar explicações?

A dura conta que nós, ex-atletas, estamos pagando a longo prazo pode estar sendo liquidada à vista pela nova geração com a desculpa, esfarrapada, de um calendário desumano que envolve estaduais, libertadores, sul-americanas e brasileiros, mas que todos sabiam, antecipadamente, de sua existência. Com a palavra, então, o responsável pela preparação física da equipe líder de contusão e ex-líder da competição, o Fluminense FC : seu nome…. responda rápido, o famoso quem?

Roberto

Ex-ponta esquerda e Jornalista.

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