RECRIANDO A CRIAÇÃO

No rastilho da organização do futebol alemão, por aqui deixado após levarem a taça debaixo do nosso modelo de desorganização, é impossível que nossa ultrapassada gestão esportiva não seja modificada. E nunca será tarde para isto. O que nos preocupa é a matéria prima que nos levou ao pentacampeonato e ainda é a mais preciosa jóia já revelada pelo futebol mundial: o jogador de futebol brasileiro. De um talento único, capaz de nos conceder Leônidas da Silva, inventor da bicicleta. Roberto Rivelino, inventor do elástico. O Rei Pelé, que marcou mais de mil gols de todas as formas possíveis e imagináveis, e tantos nobres talentosos representantes de um país que mais exibiu arte pelos gramados do mundo.

Toda esta nobreza foi oriunda da pobreza. Emergiu de campinhos de terra batida, onde sua mestiçagem travou com a bola isolados embates de sobrevivência. Do subúrbio carioca vieram o Ronaldo, o Zico e o Romário. Do interior do estado, Garrincha, das praias de Santos, o Neymar. Mas onde existiam laboratórios, os campinhos de pelada cederam o lugar para o programa Minha Casa Minha Vida. E passaram, as novas e cobiçadas promessas, a morar bem e jogar igual. Se você acrescentar que o esporte deixou de ser obrigatório nas escolas, lá se vai o primeiro passo para a formação, que é o esporte educacional.

Aonde havia uma liga desportiva local, tocada por abnegados que organizavam competições, mesmo que seja para seus filhos atuarem, coabita por lá salas abandonadas, computadores de telas gordas, fora de forma tecnólogica, desconectados com suas federações, que por ali só vão aparecer, promover churrascos, para sua presidência perpetuar os Rubinhos Lopes da vida. Perde-se aí o segundo passo da formação, que é a competição.

Quando um gênio autodidata supera tudo isto, passa por duas fases porque sua vocação é maior que a desorganização, algum olheiro o leva para Xerém. E aí o Fluminense o vende para o Manchester City com apenas 17 anos. Foi-se aí, no ultimo degrau, do alto rendimento, a disciplina, o amor à camisa, o compromisso com a pátria que só os terão de volta impregnados por rígidos sistemas táticos europeus. Descaracterizados pelo modelo original que os exportou como Fernandinho, Luiz Gustavo, Ramires.

A questão é: se o país subdesenvolvido revelava seus craques nas condições adversas em que vivia, quando sua a renda é melhor distribuída, outros brinquedos são comprados pelo Bolsa Família e a bola deixa de ser a única opção de ascensão social, a chave da casa própria toma o lugar do terreno baldio, em que laboratório artificial poderemos recriar os gênios do passado?

Para evitar a proliferação dos Filhos do Bebeto, aqueles descendentes dos craques de bola que herdaram o que o pai não teve e perderam, quando passaram da classe C para a A, o pulo do gato, em que o esforçado Matheus é o símbolo maior, devemos construir campinhos de terra batida no lugar da grama sintética. Depois, salvar as ligas, destinar as falidas secretarias de esportes verbas carimbadas para apoiar competições sub tudo. Feito isto, o clubes passarão a receber uma safra tão promissora e numerosa, que poderão vender Cidinhos, Wellington Nem para reinvestir no seu CT. Adubada a horta, regada pelas competições, organizada sua distribuição, não haverá agrotóxicos da CBF, nem da FIFA, que impeça a recuperação da nossa hegemonia.

A grandeza do futebol brasileiro não pode desaparecer deste jeito, sem deixar vestígios, como outro avião da Malaysia Airlines. Quando o nosso Boeing 7X1 caiu nas proximidades do Mineirão, toda a nação chorou mesmo não havendo vítimas fatais. Felipão, Parreira, Murtosa, Paiva e Cia foram resgatados com vida, levados à enfermaria, aposentados por invalidez técnica e tática. Dos seus leitos, assistirão o prontuário de alta para o ranking da FIFA ser assinado por profissionais mais atualizados e competentes.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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