PRA TUDO NÃO ACABAR NA TERÇA-FEIRA

Se união ganhasse jogo, o açúcar, e não o guaraná, seria eleito o combustível oficial da seleção brasileira. Neste momento, em que apostamos todas as fichas na superação do grupo, em meio ao inconsciente viralatiano que nos conduz ao papel de vítimas, quando deveríamos reconhecer as limitações da nossa equipe após outra contusão séria, condenável, mas comum dentro de um esporte cada vez mais violento e competitivo, melhor apenas lamentar a perda do nosso maior trunfo.

Que impediu Romero, Falcão Garcia de nos enfrentar, Ribéry de ajudar a França, Montolivo, Van der Vaart, Marco Reuse o capitão russo, Shirokov, ficar fora da Copa, sem nenhum treinador ou jornalista os citaram como desculpa. Mesmo porque dó, pena e compaixão não enobrecem um futebol pentacampeão. Ainda assim, fragilizados em campo diante de uma festa tão bonita, não seria justo perder da Alemanha para tudo se acabar na terça feira.

Dentre os quatro finalistas, apenas a Alemanha depende de si mesma. Do seu coletivo. A Holanda é órfã do Robben, a Argentina do Messi, e nós vivíamos a mercê do nosso ultimo grande craque. Sem eles, somos, brasileiros, argentinos e holandeses, uma Costa Rica, uma Nigéria, a seleção americana que saiu de campo eliminada e, quem diria, consagrada, carregando a sina do dever mais que cumprido.

Reverenciada Pentágono, Washington Post, arenas afora por ter ido além das suas posses. Mesmo assim, ao entoarmos nosso hino mais alto para empurrar nossa corrente pra frente, não seria justo devolver aos pessimistas ruas a ocupar e incendiar. Após calar até a boca do Jerome Valcke, seria injusto tudo se acabar na terça feira.

Após vencer a Colômbia e perder o Neymar, Galvão Bueno relembrou da Copa de 1962, realizada no Chile, onde o Rei Pelé, também lesionado, saiu de cena e mesmo assim alcaçamos o bicampeonato com a entrada do Amarildo. Independente de quem substitua o nosso craque, tenha ele alegria nas pernas, seja o Hernanes ou o Hulk venha a se transformar num super herói de verdade, o novo Amarildo só bisaria o feito se houvesse um novo Garrincha.

Este sim, outro gênio do futebol, assumiu o vice-reinado e saiu driblando todo mundo por lá, fazendo gols de cabeça, voleio, de fora da área, mostrando ao mundo que novas magestades, como Zico, Romário e os Ronaldos, herdariam a coroa e manteriam a soberania do esporte muitos anos por aqui. Apesar disto, de não ter um gênio das pernas tortas à disposição do Felipão, dando-se ao luxo do Paulinho não estrear e a Unimed não ter ainda dado alta ao Fred para entrar em campo, alcançando as semifinais marcando gols com zagueiros, transformando goleiros em heróis, pelo conjunto da obra, não seria justo tudo se acabar na terça feira.

Discutimos muito o tal legado da Copa, dissecamos à exaustão o tal Padrão Fifa que deu as ordens tanto tempo por aqui. E fico imaginando o próximo Fla x Flu se toda esta civilidade exacerbada pegar. Torcedoras, outrora despojadas em jeans e camisetas em sua paixão, voltando maquiadas para o Maracanã em busca de ser a musa do telão. Estádios sem aquele anjo negro rubro-negro que não conseguiu ingresso, e ficou em casa e vai ceder lugar a uma comportada burguesia.

Torcedores aplaudindo a entrada do adversário quando, antes da Copa, vaiava até minuto de silêncio. Levando tanto a sério o Fair Play que se a final não for Brasil x Argentina a acirrar rivalidades, corre o futebol o risco de ser tão emocionante e cortês quando um clássico entre o Vaticano e a Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Mesmo assim, ameaçados de perder o fascínio, previsível e pacato como querem conservadores cartolas suíços, é cedo para sair de cena, perder o jogo e tudo se acabar na terça-feira.

Porém, quando o brasileirão recomeçar e nosso time de coração entrar em campo com as arquibancadas de novo vazias, os jogos atrasarem, o metrô quebrar e a SuperVia informar que seus trens “ficaram sem gasolina”, a segurança desaparecer da frente dos estádios, sentiremos que o efeito da anestesia se foi. Desorganizados, mas felizes, emergentes, mas criativos, levaremos nossos visitantes aos aeroportos, agradeceremos o convite aceito e voltaremos a ser brasileiros.

Nas telinhas, saírão os craques, entrarão os políticos. A bola será o voto, o gol a democracia. Batalhando por um Brasil cada vez melhor e igual, ainda é cedo para cedermos o cetro. Sem um Rei ou Príncipe a nos comandar, mas com honrados coadjuvantes a lutar, não será justo para um país historicamente sofrido, que tem no futebol o seu bálsamo, a sua esperança, que tudo se acabe na terça feira.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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