Pesadas Repatriações

Guardo bem as declarações do Robinho, quando voltou ao Santos, ao responder a pergunta de um repórter se ele estava em condições de acompanhar a correria instaurada por Neymar, André, Ganso e Cia no início da saga “meninos da vila”: “estou com 10 kg a mais de quando deixei o clube, ganhei massa muscular e fica mais difícil acompanhá-los num contra-ataque. Mas tenho superado isto com minha colocação e experiência!”. Quando deixou o clube santista para jogar na Europa, a imagem que guardamos dele, Robinho, e que devia abrir seu DVD e as portas para a fama, foi aquela célebre pedalada em cima do Rogério, então lateral do Corinthians, durante a disputa pelo título brasileiro de 2002.

No auge da forma, sem 3 cm esculpidos em cada coxa e doses extras de taxa de gordura, Robinho produziu, com 68 kg, as grandes artes e obras da sua carreira. Aí foi jogar num futebol que dá ao físico a importância que deveria dar a arte. E tome musculação para o aumento da massa muscular com o qual, dizem os manuais da preparação-física deles, irá suportar o truculento futebol europeu. Fora, durante os primeiros anos de adaptação (coitado do Coutinho, na Inter, a bola da vez após Alexandre Pato!) suplementos alimentares, pouca bola e nada de aprimoramento técnico. Só tático. Foi assim com Ronaldo, o Fenômeno, que chegou voando no Cruzeiro e desembarcou se arrastando. E, pior ainda, aconteceu com Ronaldinho Gaúcho, que acumulou outra dezena de quilos, e nunca mais conseguiu desenvolver sua arte em todo o campo.

O máximo que tem conseguido, desde então, é ficar plantado na região da ponta-esquerda, com pouca mobilidade entre os diversos setores do campo, dominar com categoria seu instrumento de trabalho e alçá-lo na grande área para um grandalhão daqueles cabecear. Jamais voltou a partir com a bola dominada, tabelar em velocidade, pedalar, como fazia no seu fulminante início no Grêmio e na seleção brasileira. Desde então, Ronaldinho nunca mais foi nem será o mesmo porque o Marílson da Nóbrega, outro atleta de ponta, foi tri-campeão da São Silvestre em anos espaçados, e bi da Maratona de Nova York com o mesmo peso. Se ele voltar a disputar a prova com dez quilos a mais vai parar na subida da Brigadeiro Luis Antonio e alegar para a mídia, e para seus patrocinadores, “que está mais experiente, melhor posicionado no percurso”. Mas tempo, e velocidade, e consequentemente, vitórias e conquistas, que importam, nunca mais.

O Flamengo está trazendo de volta uma mercadoria com excesso de peso na bagagem. Que irá se destacar mais nas pistas de dança, nas noites quentes do Baixo Leblon, nas manhãs ensolaradas de Futivôlei de Ipanema do que nas tardes em que precisará partir para cima de um zagueiro do Voltaço, do Duque de Caixas e do América, e lhe faltará a leveza e o ímpeto do passado. Que está, definitivamente, incorporada ao produto adquirido, e para a posição que joga, a desenvoltura que dele se espera, definitivamente comprometido ao seu resultado final. Roberto Carlos e Adriano, por jogarem sempre fixos, em locais pré-determinados, ainda suportaram a carga extra, que se por um lado lhes tiraram a velocidade, trataram de proteger suas articulações para se arrastarem um tempo maior sem serem notados.

Claro que a culpa não é dos Ronaldinhos, nem do Robinho. É de um futebol que relegou para o segundo plano a figura ímpar do profissional da educação-física. Você por acaso sabe o nome do preparador-físico do seu time? Pois há três décadas nós sabíamos seu nome e sua importância: Paulo Amaral, Admildo Chirol, Antonio Melo, Paulo Paixão, Célio de Barros  eram tão valiosos e respeitados quanto nossos treinadores. Para não perderem o status nem os salários, Parreira, PC Gusmão e Sebastião Lazzaroni, entre tantos, largaram a Educação Física e se tornaram treinadores, com irreparáveis perdas para os dois lados. Durante uma semana de preparação de qualquer grande equipe, pelo menos durante quatro dias e quase toda a valiosa pré-temporada, os atletas estão em suas mãos.

Trocam-se os técnicos, que cada vez ganham mais e jogam para  segundo plano profissionais que, se valorizados, acompanhariam, ou suas planilhas seguiriam junto, a vida dos nossos craques mundo afora, impedindo que o excesso de peso limitem sua enorme capacidade técnica. Sorte do Pelé que jogou num tempo sem musculação ou asteróide anabolizantes, do Zico que tinha um profissional do quilate do Profº José Roberto Francalaci a acompanhá-lo, do Marílson, que tem o mesmo profissional da educação física como treinador, fidelidade esta que nossos astros do futebol só concedem aos seus empresários. Se Ronaldinho Gaúcho tivesse no lugar do irmão, Assis, alguém cuidando do seu físico além do bolso, seu futebol, e sua imagem, não estariam tão arranhados e leiloados.

Quem sabe até seria exaltado na El Divino, em Florianópolis, local em que sua irresponsável conduta deixou de ser exceção, palco de comemorações, para se tornar regra, vício, fuga de cidadãos que não perceberam que, ao assinarem seu milionário contrato para defender a paixão de milhares de torcedores, se tornaram atletas profissionais no lugar de meros jogadores de futebol.

Zé Roberto | Ex ponta-esquerda do CR Flamengo

José Roberto Lopes Padilha (Zé Roberto), nasceu em Três Rios, no Sul Fluminense, é estudante de jornalismo da Unicarioca. Ex-atleta profissional de futebol, jogou no Fluminense, Flamengo e Santa Cruz. Técnico de futebol, é Coordenador de Esportes da Prefeitura de Três Rios. Escreveu três livros sobre futebol: “Futebol: a dor de uma paixão”, “À beira de um gramado de nervos” e do trabalho tático “55 Reversível”, editado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.

2 thoughts on “Pesadas Repatriações

  1. Sublime Zé Roberto.Depoimento de quem conhece,esteve lá e não se omite em tentar resgatar a essencia de nossa maoir paixão.
    As palavras são duras,mas sinceras e sei,que como eu lá no fundo,torce que desta vez o enredo será diferente.

  2. Prezado Jornalista iata Anderson, saudações.
    conheço o zé Roberto há muito tempo, aliás desde que nasci e posso garantir que se Ruben braga fosse vivio, assinaria embaixo a matéria.
    Zé Roberto é temido pela sua caneta afiada e sem medo de escrever a verdade nua e crua do futebol brasileiro, hoje dominado pelas entidades e empresários FIFAS. fazendo com que programas esportivos que mostram imagens dos anos 70/80, nos levem as lágrimas e ao saudosismo.
    A volta de Ronaldinho é a maior jogada pra se ganhar dinheiro já imaginada no mundo , enganando a massa rubro-negra, pois pensemos, como Zé Roberto citou , Flamengo e América em Mesquita. Gramado ruim, buracos,campo pequeno, marcação com pancada. América 1 x 0 Fla.
    Eu fico nessas horas com Ney franco, técnico de um carater excepcional e que não aceitaria um jogador como o Ronaldinho em seu time. Ele pediria pra sair. parabéns Zé Roberto, voce escreve demais e muito me orgulha ser seu irmão.
    flavio

Deixe uma resposta para mauro Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *