O PROFETA CALADO DA BOLA

Quando um ídolo de qualquer esporte se agarra à Bíblia e para de escrever a sua, todos perdem. Assim nos gramados, como no céu. A partir de domingo, de Fluminense x Vasco, Fred será mais um dos nossos atletas a erguer os dedos  para os céus a agradecer os gols, a oportunidade de servir à seleção quando deveria, como apóstolo da bola, referência na vida de tantos, fazer o seu papel para melhorar a sua profissão e a própria sociedade que gravita em torno da bola.

Aproveitar os holofotes que sobre ele estarão depositados até julho para, por exemplo, visitar Xerém e conferir o que estão fazendo com os Freds que chegam do interior e no lugar de conhecer a sagrada instituição que passarão a defender, são disputados por empresários de plantão cuja única Taça Olímpica conquistada foi embolsar um bolo de dinheiro quando embarcam um deles, ainda novinhos, para jogar na Inglaterra. Saber se o tráfico de drogas que alcançou o Michael e pode estragar a vida dos Biro-Biro e dos Rafinhas já foi por lá debelado. Se fazer presente nas eleições do seu clube, onde se omitiu na ultima, para evitar que Peter Simsen e Deley batessem chapas.

No alto dos seus 114 gols, 5 anos de clube e muitos títulos, poderia intervir: “Peter, você que entende de clube e não sabe nada de bola, preside. Deley, você que sabe tudo de bola e nada de clube, dirige o futebol”. Simples, não? Mas, infelizmente, não é simples assim. Neste fundamental dia, Fred passou batido pro treino, Deley voltou pra Brasília e Peter tropeça a cada dia quando sai do carpete e pisa na grama. Poucos ídolos, como Sócrates e Afonsinho, entenderam à sua época o papel que exerciam. Do poder que têm uma camisa que sai vitoriosa no domingo e acelera a produção na segunda de um povo que ama o futebol e vai trabalhar com um sorriso do tamanho da sua fé esportiva. Porém, tem sido comum em nossa idolatria esportiva uma triste submissão. Os Atletas de Cristo surgiram no futebol anistiando, com uma Bíblia, todos aqueles que faltavam treinos para passar a noite na balada, e a liam na manhã seguinte calçando chinelinho no Departamento Médico quando deveriam estar a postos pro treino.

Há, sim, exceções, mas até uma delas, o Jorginho, que os presidiu, confundiu seu testamento quando, ao dirigir o América, fez campanha pública para retirar do clube seu simpático mascote, o diabinho. Como se a troca de um símbolo ajudasse a mudar conceitos ou tirar o clube da segunda divisão. Como uma UPP que sobe uma comunidade a pacificar, não basta colocar a polícia lá em cima como muitos acham que basta colocar um Bíblia debaixo do braço que está tudo resolvido. Tem que levar junto a educação, oportunidades, abrir as portas saudáveis do esporte e da cultura. Enquanto Fred se cala, agradece e lê, o Marin se cala por nós perante cada intromissão da FIFA.  Levam a inaugurar estádios da Copa Freds do passado, sem força política ou esportiva para arrancar pelos que irão lá nos defender.

Então, artilheiro do meu clube de coração, do meu país que se orgulha de punir, antes tarde do que nunca, os golpistas que sumiram com o Rubens Paiva e enforcaram o Herzog, estamos entendidos: leia a Bíblia, aprenda com ela, mas ajude a reconstruir a vida de tanta gente que o tem, hoje, como sua principal referência. Cada um companheiro de profissão, órfãos das terceiras, quartas divisões, que ganham mínimos salários, sufocados por cartolas do carpete país afora, precisam que a sua voz se faça presente em todas as pregações da tarde no templo sagrado de cada um Maracanã.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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