O INTERINO

Jayme de Almeida é treinador de futebol. Interino. Andrade também, Gaúcho, Húngaro, Silveira e Gilson Gênio. Trabalham com carteira assinada, têm direito às férias, 13º salários proporcionais e ocupam espaço temporariamente no comando dos seus clubes enquanto seu novo ocupante não chega. O interino conhece seu clube mais do que ninguém, foi ali criado, conhece cada canto daquele vestiário, chama pelo apelido massagistas e roupeiros, possui amizades até na temível boca maldita. De tão conhecido, chega a ser poupado pela nação ensandecida mesmo num Fla-Flu jogando mal daquele jeito.

Não são técnicos, são treinadores. Chegam cedo para trabalhar, apitam treinos e distribuem camisas nos coletivos. Só se tornam treinadores de verdades quando deixam sua paixão de origem, a estabilidade por tempo de serviço, e saem pelo país no universo imponderável à mercê dos resultados. Onde são xingados e perseguidos, num local desconhecido onde matricularam seus filhos no novo colégio cuja transferência, solicitaram de novo após serem demitidos. Mal a mudança chega, a família tem que seguir outro caminho. Quem mandou perder? Quem mandou ser técnico de futebol e não treinador do seu clube de origem?

Jayme de Almeida, como hábil bombeiro da casa, apagou um incêndio criado por Mano Menezes e cumpriu seu papel falando sobre uma conciliação que já sabia não ter tempo para consolidá-la. Disse dar oportunidades aos afastados, acalmando reservas insurgentes, que seu tempo exíguo à frente todos sabiam ser impossível aproveitá-los. E fez isto com rara competência.

O problema quem criou foi o Flamengo quando estendeu sua interinidade acima do seu prazo de validade. Em meio a fumaça que encobriu a Gávea, seus dirigentes confundiram o apaziguador com uma raposa felpuda que assumiria em janeiro trazendo reforços pro seu meio campo anexado ao prestígio. Deixaram o interino se eternizar e bastou um título carioca diante de rivais fragilizados, atuando com times mistos, de olho na Copa Libertadores, para prolongar uma agonia. E ai Jaime foi ficando, com seu olhar tranqüilo, de óculos enormes à beira de um gramado cujo destino todo o futebol já enxergava qual seria.

Bastaria um córner ser batido da direita, seu goleiro não lembrar que poderia usar as mãos, para que o Fred subisse e o Fluminense recolocasse a ordem natural da injustiça em dia. Seria outro episódio comum no futebol a sua demissão após uma derrota num clássico, se não fosse o constrangimento a que se submeteu nosso herói bombeiro ao tomar conhecimento de sua demissão através da imprensa. Saiu como vítima, e dó, pena e compaixão não combinam com a trajetória esportiva de um correto funcionário rubro negro de carreira assinada desde os juvenis. 

Resta a Jayme de Almeida escolher se vai enfrentar a instabilidade, e lutar pelo país para ser reconhecido como técnico, ou se recolherá a igual grandeza de ser treinador, funcionário ou bombeiro de plantão para o resto da vida. Quanto ao Flamengo, outra vez, desonrado, humilhado em sua grandeza por cartolas inconsequentes, vira as costas para aqueles, que dentro de campo, construíram a sua história. De honrado e franco nesta decisão só teve o Ney, que não tem nada com isto e vai pra campo comandar uma legião de fragilizados escombros de um incêndio que parece não tem fim.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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