O ATOR PRINCIPAL

O jogo entre Fluminense x Barra Mansa, de tão equilibrado e ruim, se arrastava na televisão e a toda hora a sala, ainda habitada por inconformados torcedores vascaínos e alvinegros que permaneceram esperando o gol da vitória, pedia que trocasse de canal. E eu, único tricolor, resistindo as provocações, principalmente depois que o juiz não deu um penalty claro para o Barra Mansa, insistia em mantê-lo no ar. Apesar de apenas 16 mil pagantes terem se dirigido a Macaé para assistir a partida, eu sabia que por lá havia um ator em cena que justificaria, a qualquer tempo, a insistência naquele duvidoso programa em uma tarde chuvosa de domingo. O que tornava a sala ainda mais concorrida. E aos 33 minutos do segundo tempo, a bola veio cruzada da direita pelo lateral tricolor e ele, o ator principal, se antecipa a zaga, sobe num movimento plástico digno do Bolshoi, e gira com a plasticidade de um Flávio, o minuano, e cabeceia a bola no ângulo com a precisão de um Dario, o peito de aço. O gol do Fred, o terceiro do Fluminense, é para ser gravado em vídeo e distribuído pelas escolinhas de futebol do país para as novas gerações aprenderam a cabecear. Parece simples, mas é uma obra de arte. Infelizmente em extinção. Porque tirando o Fred, não há mais pelo estadual um ator principal a justificar o ingresso. Há atores coadjuvantes com potencial, quem sabe um dia Marcelo Cirino e Gerson possam ter seus nomes exibidos no cartaz. Mas, hoje, só um jogador de seleção brasileira, já artilheiro, foi inscrito na competição. Os demais são promessas. Ou decepções.

Joguei 17 anos como profissional e em apenas quatro deles tire o privilégio de dividir a cena com um nome que atraia bilheteria. Acreditem, era diferente e multidões vinham assisti-los. Em 1974, tive o Gérson ao meu lado na Taça Guanabara. Era o ultimo ano do canhota tricampeão mundial e ele desfilava pela meiúca um repertório de passes longos e broncas próximas que jamais se afastaram das nossas lembranças. Em 1975, foi a vez de Roberto Rivelino. Quando chegou, excursionávamos por Campinas, disputávamos torneios importantes no Recife, no Maranhão. Bastou um elástico, bombas seguidas desferidas de fora da área, e o título da Taça GB e do estadual, para disputarmos torneios em Paris e em Barcelona. Como esquecer quem nos fez tirar o passaporte e suspender, por um longo período, os vôos rasteiros? Em 1976, no Flamengo, joguei ao lado do Zico. Foram tantos gols de falta, de arrancadas fulminantes, que antes de perceber já havia dado entrada num apartamento. Só por lá, pois não ganhávamos tanto, alcancei o sonho de todo brasileiro e o Galinho de Quintino foi meu principal avalista Já no Santa Cruz, em 1977 no Recife, encontrei um centroavante que era mais querido por lá que Padim Ciço. Fazia gol de todo jeito e o Arruda era uma arena abarrotada de gente, onde Nunes derrubava um goleiro a cada domingo. Como esquecer o homem que provocou uma procissão aos estádios dignas do Círio de Nazaré?

Domingo tem Fla x Flu. Sem Gérson e Rivelino de um lado, Zico e Nunes de outro. Um meio campo onde desfilarão suas limitações Marcio Araújo, Canteros, Luiz Antonio, Edson e Jean. O setor de criação, o camisa 10, foi substituído em Xerém, ou em qualquer outro lugar em que o garoto talentoso não resistiu, e voltou pra casa, aos gritos de “marca”, volta”, “chuta” do seu “professor” e foi substituído pelo gladiador. Celeiros onde Guiñazu reina, ganha títulos juvenis onde outrora a formação era a taça, e é cercado de admiradores. Assim será o Fla x Flu. Assim caminha o futebol brasileiro. Mas se o Fred é o consolo que ficou, o gênio que sobrou, vou encher de novo a nossa sala. Chova ou faça sol. E assistir uma orquestra onde o regente é solista, arranjador, percussionista e ainda deposita a bola com maestria no fundo das redes.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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