O AMIGO DA FAIXA

Morava na Selva de Pedra, um condomínio de prédios no Leblon e treinava nas Laranjeiras quando a campainha tocou. O ano era de 1975. Um morador do segundo andar, um jovem de nome Irineu Tamanini, tricolor doente, se apresentou e fez um pedido que jamais ouviria outro igual: “Posso levar uma faixa ao Maracanã com seu nome?” Era um bom jogador, camisa 11 da máquina tricolor, mas a Young Flu levava faixa pro Paulo César Cajú, a Força Flu pro Rivelino, até pro Edinho já tinha visto uma afixada no anel superior. Mas para mim nem a fiel torcida trirriense, que se deslocava todo domingo em uma Kombi, pensou um dia levar uma. 

Tive vontade de responder, com o ego lá em cima: “Quer ajuda para o pano e para a tinta?”. Mas preferi conter a euforia e apenas concordei. Quando chegávamos ao estádio e nos posicionávamos no Setor 4 para assistir a preliminar, bastava “A Torcida confia em Zé Roberto” ser posicionada que meus companheiros debochavam: “Zé, seu primo já chegou !”. E o Irineu virou primo de verdade e talismã do time, ia nos visitar na concentração, não perdia uma só partida e nos seguia brasileirão afora. Até que o pai, conceituado dentista do exército, foi transferido para Brasília. Estudante de jornalismo, se formou na capital, cresceu na profissão e virou assessor de imprensa na equipe de Cláudio Humberto, no Governo Collor.

Enquanto subia na profissão, como jornalista, descia com meu joelho tri-operado os degraus da fama esportiva. Jogando pelo Itabuna FC, arrastando-me pelo gramado do Luiz Viana Filho, na série B, Irineu fez comigo uma reportagem de página inteira no Correio Brasiliense, em 1979. Da agência nacional, durante a Voz do Brasil, entrevistou-me direto da concentração em Marília, antes do “clássico” MAC x XV de Jáu, pelo paulistão de 1980. Era um tricolor que virou primo e se tornou um amigo fiel que abria espaço na imprensa nacional para o seu ponta esquerda que padecia no ostracismo.

Certo dia colocou-me na lista de celebridades que subiriam a rampa com o Presidente Collor. Pelo amigo, escondido da patrulha ideológica do meu partido, com medo do José Dirceu e o do Genoíno me entregar ao diretório municipal e ser expulso do PT, aceitei o convite. As fotos, com o brasão da república, escondidas da comissão de verdade local, continuam trancafiadas num local esquecido. Fui à Brasília tão discretamente que só minha esposa e filhos ficaram sabendo. 

Mesmo assim, não deixei de ir às ruas pedir seu Impeachment, protestar contra PC Farias, a Fiat Elba, O Eriberto e a Roseane, mas que foi uma solenidade bonita, a subida da rampa com o Presidente da República, isto foi. Mesmo contribuindo para sua demissão, como cada cara-pintada, Irineu jamais brigou comigo.

Queria te agradecer, Irineu, pelo carinho e dizer que nossa bela história, de um torcedor com seu ídolo, que começou com uma faixa e se prolongou pelas ondas da Radiobrás, para todo o país, não poderá mais se repetir. As faixas, bem como as bandeiras que eternizaram Junior e Zico, a charanga histórica do Flamengo, a bandinha que tinha a cara de Moça Bonita acabam de ser proibidas no Maracanã. 

É o tal padrão FIFA globalizando mesmice, embaralhando culturas, inibindo produções criativas, manifestações espontâneas que refletiam em campo a magia de um povo. Não pela nossa amizade, que será eterna, mas tenho medo que os novos dribles, a outra caneta, o elástico reinventado, a paradinha perspicaz na cobrança de uma penalidade reflitam, daqui pra frente, o amarelo sorriso levantado nos telões por pálidas cartolinas, com o dizeres que sepultarão de vez a heptalogia futebolística de uma raça: THE END.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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