O ALMANAQUE VUITTON

Foram vinte os livros sobre futebol colocados à disposição dos torcedores tricolores no estande do clube na Bienal do Livro. Arquibaldo, o Saudosista, que se meteu junto aos outros dezenove, era quase um espião americano infiltrado nas conversas da Dilma e da Petrobras: das 45 crônicas que assinou, quatro eram sobre o Fluminense, mas o autor, como jornalista, se tornou um torcedor curado e escreveu outras quatro sobre o Botafogo, três pro Flamengo e duas falando sobre o Vasco. Na verdade não era um estande de livros, mas um bunker verde, grená e branco onde apenas tinham acessos fanáticos torcedores tricolores. Os demais passavam batido e teve autor, ao depor sobre sua obra no Bate Papo Literário, chamando os rubro-negros de “coisa ruim”. Era pecado capital citar por ali o nome de outro clube, principalmente o do Flamengo.

Arquibaldo, saudosista e neutro, só não foi denunciado, e convidado a se retirar, porque poucos folhearam seu conteúdo e a maioria dos apaixonados pelo Fluminense (cujo Depto. de Marketing teve esta grande sacada, não havia nem estande de outro clube para ter direito de resposta) que lá estiveram ficaram hipnotizados pelo Almanaque. Este era o título da obra mais disputada. Tratava-se de um álbum luxuoso, revestido de uma película plástica, com um enorme escudo tricolor trabalhado que parecia uma bíblia oficial. Era a obra mais pesada e cara de todas (R$ 150,00), mas isto não era problema para o torcedor com o maior poder aquisitivo do futebol brasileiro. Mesmo nós, autores secundários, ao nos revesávamos à mesa quando nossos livros eram apresentados, éramos abordados para deixar uma mensagem na obra magna, cujo autor ausente nos parecia ser o próprio clube.

Cheios de inveja, Arquibaldo, saudosista e já invejoso, e mais 18 outros autores, só queriam saber: o que aquela obra continha que a deles não tinha? Por quê tanto sucesso se aquela horda de fanáticos o adquiriam fechado e ninguém sabia do seu real conteúdo?Ao final da Bienal do Livro Arquibaldo, o Saudosista, com muita panfletagem e assédio aos torcedores tricolores, táticas que dominava desde seu tempo de candidato, salvou a edição e as despesas da viagem com alguns exemplares vendidos. Mas deixou o Rio Centro e aquela festa literária sem saber se havia beleza interior em cada livro exposto porque, de fato, vivemos na sociedade do rótulo. 

Pode até o motorista daquele enorme carro importado ter uma impecável trajetória profissional e alcançado, com muita luta, méritos para obtê-lo – mas antes disto já foi reverenciado pela sociedade só pelo carro. Aquela linda mulher sarada que vive do corpo pode até ser uma baita socióloga, carregar uma beleza interior, fazer caridade, mas antes já deixou um rastro de inveja e admiração. Lembram-se dos estandes do Centro Sul Negócios? Eram expostos bons e regulares produtos, de várias marcas, mas para conhecê-los, um protótipo de beleza exterior, coxas grossas e tanquinho, envoltas em justos terninhos, era a senha, o laço que atraia o povo para abrir o incógnito produto presente.

Entre beleza externada e ocultada, invejas e suposições, na dúvida e na volta pela BR-040, Arquibaldo parou em Itaipava. Foi comprar um Terno Armani na Richard’s do Shopping Estação para melhorar a capa. Chegou à conclusão que para falar mal da FIFA precisa se vestir com o padrão FIFA. Só assim lutará em condições com a aparência, na luta em prol da essência, junto aquele objeto de cobiça que roubou a festa no estande tricolor, o tal do Almanaque, que poucos queriam ou querem saber quem o escreveu. Que era bonito, reluzia por fora, pois que façamos o mesmo com cada criação, não há mesmo espaço para a feiura na massificação da beleza que anda roubando o caráter do mundo.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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