Lendas de um vestiário

Delei foi um daqueles raros gênios a habitar nosso meio de campo que não precisava correr com a bola. Tinha como marca registrada uma cavadinha que a levava com precisão, como naquela configuração gráfica do Messenger, dos seus pés até o espaço em que o Aldo de um lado, e o Branco do outro, ocupariam nas costas dos laterais  para colocar a bola à feição das cabeçadas do Washington. E do Assis. Mas após o tricampeonato de 1985, dizem pelos vestiários, que ficam impregnados de histórias e estórias, nosso craque deu uma relaxada. E a noite, implacável,  superou o treinamento do dia e aí as pernas não agüentavam mais enviar precisos Messenger para ninguém.

E o supervisor do Fluminense, Roberto Alvarenga, sempre muito correto e profissional, passou a cobrar dele uma dedicação maior. Primeiro com o atleta, depois com o grupo e mais tarde junto à imprensa. E Delei acabou barrado e saiu do time contrariado. E prometeu vingança. Passou a se cuidar e ele, hoje, Deputado Federal, quando aliava condição física ao seu natural talento, não tinha para nenhum Leomir, Renê, ou quem mais rondasse aquela faixa intermediária de campo disputando uma vaga. Em duas semanas, recuperou a camisa 8 e, contra o Botafogo, foi o melhor em campo. Antes, armara na concentração uma pegadinha, tudo combinado com seus colegas de trabalho..

Após a partida, atrasou um pouco seu banho e circulou de toalha pelo vestiário, com seu Motoradio em punho, a amealhar afagos e elogios em meio a festa pela vitória. De soslaio, mantinha o Roberto sob controle, e calculando seu inevitável assédio se posicionou no centro do vestiário. E quando o Roberto lhe alcançou e lhe abraçou, soltou um grito: “Socorro! Me acudam, fui esfaqueado!”. E simulou um gesto a tentar retirar um suposto punhal encravado às suas costas. E se jogou ao chão. Os jogadores, já sabendo da trama, correram a ajudá-lo com toalhas e até o massagista foi em sua direção com sua maleta de primeiros socorros.

Diz a lenda, implacável grudada aos azulejos, sem direito a defesa dos que precocemente nos deixaram cheios de saudades, estejam no céu ou em seu gabinete em Brasília, que Roberto Alvarenga deixou o Maracanã todo sem graça. E nunca mais se meteu com “esta raça” que um dia fiz parte. Que tanta vezes levantava um brinde à mais, chegava em casa um pouco mais tarde,  e ao treino da manhã também, como a prever, ao estender seus momentos de glória, a quantidade de dias que passariam esquecidos. A tal facada, do ostracismo,  da falta de reconhecimento dos clubes e dos torcedores quando paramos de jogar,  esta vai continuar doendo pro resto da vida.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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