FORÇA, MATTHEUS !

Certo dia, na TV, após seu dia de glória ao marcar um gol e ser destaque de uma conquista, Gilmar Fubá, então no Corinthians, fez questão de gravar no alto de um viaduto. Mas porquê aqui, perguntou-lhe Régis Resling? “Porque minha mãe, quando nasci, chegou comigo nos braços em cima de um viaduto e quase me atira, não nos braços da torcida do Timão, mas para dar uma solução em nossas vidas!” Outro dia foi o Samir, do Flamengo, que deu dois carrinhos em uma só jogada e, no intervalo, foi entrevistado por um repórter, que lhe disse: “Mas que vontade, Samir, da onde você tirou tanta raça?” Samir respondeu: “É amigo, é que você não sabe do lugar que eu vim. Não quero voltar para lá de jeito nenhum!”. É impressionante cada história de superação revelada no DNA de cada jogador do futebol brasileiro. Com raríssimas exceções, todos carregam consigo uma trajetória de luta que começa mostrando a mãe subtraindo um troco da feira para levá-lo a fazer um teste, de trem ou ônibus, em um grande clube. Criados em laboratórios das periferias, submetido às variações de uma viva bola que vivia a desafiá-los, em quicar indefinidos, com a árdua missão de criar uma ilimitada gama de recursos na arte de submetê-la ao domínio.

Enquanto os filhos de Bebeto tem o privilégio de voltar no contra turno da escola para ultrapassar o Enem e se formar doutor, os filhos não mimados durante o tetra, cujos carrinhos de bebê, de última geração, desembarcaram no galeão em meio aqueles containers que subestimaram a alfandega e denegriram a imagem da conquista, voltam pra pelada à tarde. E criam bolhas, tabelam com o poste, quebram uma vidraça e escapam em velocidade à procura de um abrigo. Encontram por lá soluções para as vitórias e driblam os percalços da vida.

Nenhum grande craque teve um filho craque pela simples razão que conseguiram proporcionar aos seus o que não tiveram. E calçam chuteira na prole mesmo sabendo que jogaram descalços e foi no tato, pele na bola, que descobriram os segredos do couro. E compram um Playstation de última geração mesmo sabendo que quanto mais virtual for a partida jogada pelo filho, esta jamais retratará a realidade de uma bola dividida. Um chega pra lá, ou uma caneta no cantinho usada como último dos recursos. E assim o futebol brasileiro tem feito a maior de todas as redistribuições de renda, pois quando o Romário sai da Vila da Penha e vai pro Barcelona, tira da miséria três gerações. Nem o Bolsa Família age tão rápido no combate a fome. Nem o mais socialista dos governos será capaz de reduzir tanto a desigualdade social, de uma maneira tão lúdica, eficaz e bonita, como ele é feita no futebol. Com fundo musical, então, tome choro. E haja lágrimas em cada triste, e bela, reportagem.

Portanto, Matheus, não se deixe abater por esta fúria injusta, pós derrota pro Galo, que lhe escolheu nas redes sociais como vilão. Se existem cotas e elas reparam injustiças, porque você não pode ocupar uma, a de filho de um craque, e jogar no time do Flamengo? Você, como os filhos do Zico, do Junior e do Romário, são meninos de ouro. Guerreiros como os que vieram de baixo. Que tentaram nadar na corrente da dificuldade para encontrar o pulo de um gato que sempre precisou dormir num saco no fundo do sótão. Não em uma cobertura. Que abriram mão das noitadas onde escolheriam celebridades, tão bonitas quanto as Marias Chuteiras de ocasião, que cairiam em seus braços após as conquistas. Determinados, sempre acordaram cedo para treinar, mas o que fazer se o condomínio de luxo só tinha no berço uma grama sintética, um futsal como escolinha, e a bola só quicava reta, precisa, e os maiores truques pro domínio eram de domínio. Público. O Brasil, que lhe mimou junto quando seu pai despachou a Holanda, não há de abandonar um filho seu que escolheu um dia abrir mão de privilégios para defender sua nação.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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