EVARISTO NÃO ACREDITA EM DECISÃO ANTECIPADA NA ESPANHA

Foto: Iata

A Espanha vive há duas semanas o clima do maior clássico do futebol mundial, que será disputado dia 10 de abril, às 22 horas, no Estádio Santiago Bernabéu. O Real Madrid lidera o campeonato pelo saldo de gols  e o Barcelona tem Messi, o maior jogador do mundo, que vem desequilibrando as partidas do campeão espanhol. Um brasileiro que fez história na Espanha, vestindo a camisas dos dois gigantes, analisa  o momento dos  times, fala dos jogos inesquecíveis, do maior jogador do mundo e diz se a seleção espanhola está na hora de ser campeã mundial. Não só jogou, como está presente no museu dos dois clubes mais importantes da Espanha, por quem poderia ter disputado a copa do mundo de 1962. Evaristo ganhou muitos títulos em Barcelona e Madrid e fez história como nenhum outro jogador brasileiro.

O CORAÇÃO É “CULÊ” OU “MERENGUE” ?

– Eu, sinceramente, até pela convivência maior, gostava mais do Barcelona. Até porque a minha família se adaptou melhor em Barcelona. Eu saí para o Madrid (assim é chamado o Real, na Espanha) puramente por questões profissionais. Lá, a bem da verdade, não tive o mesmo êxito que tive no Barcelona, em função de uma grave lesão  no joelho, que me atormentou muito. De qualquer maneira, quando terminou meu contrato, eles fizeram uma proposta para continuar mais três anos em Madrid. Mas a família estava crescendo, minha mulher estava preocupada com a formação das crianças, os colégios, eles falando “portunhol”, misturando as palavras em espanhol e português, então resolvi voltar ao Brasil. Assim mesmo foi muito bom ter ficado na Espanha quase nove anos. Em termos de relacionamento, desportivamente, foi tudo muito bom.

O MELHOR MOMENTO NO REAL

– Nós fizemos um jogo muito importante, no (Santiago) Bernabéu, contra um time inglês, não lembro qual foi, e precisávamos ganhar. Foi um jogo muito difícil, os ingleses tinham um time muito forte, encontramos muitas dificuldades mas tivemos uma atuação muito forte, firme, e conseguimos ganhar de 2×1. Fiz um gol nesse jogo que marcou muito minha passagem pelo Madrid, pela atuação que tive e pela importância do jogo, valendo pela Copa Europa (Hoje Liga dos Campeões)

UMA BOA RECORDAÇÃO DO BARCELONA

– No Barça eu tive momentos muito melhores. Ganhei dois campeonatos nacionais, fomos vice nos outros três, ganhamos três Copas da Uefa e fomos a uma final da Copa Europa mas perdemos para o Benfica, como no Madrid também perdemos para o Internazionale, de Milão. Mas eu acho, foram muitos títulos da Copa Espanha, eu participando. Na verdade, no Barcelona eu consegui mais coisas que no Real Madrid, embora desfrutasse de um prestigio muito bom, nunca fui contestado, esse negócio de sair vaiado de campo, isso comigo, Graças a Deus, nunca aconteceu.

QUAL FOI O GRANDE JOGO PELO BARCELONA

– Foi um jogo histórico, no Barcelona. O Madrid era pentacampeão europeu e nesse campeonato os dois fizeram uma semifinal. O primeiro jogo foi no CHAMARTÍN (antigo nome do Santiago Bernabéu) e nós empatamos o jogo em 1×1. Viemos para o segundo jogo, em Barcelona. Os times eram muito equilibrados e o jogo estava 1×1 quando, no segundo tempo, eu fiz um gol histórico, me jogando de “peixinho” e o goleiro também, e nos encontramos no ar mas eu cheguei primeiro, cabeceei e ganhamos de 2×1, tirando o hexacampeonato do Real Madrid. Essa é uma foto que está no museu do Barcelona até hoje, marcando aquele momento.

Foto: GOL HISTÓRICO CONTRA O REAL MADRID

HÁ FÓRMULA PARA VENCER NOS DOIS CLUBES ?

– Você sabe, para poder conseguir um bom prestígio nesses clubes duas coisas são muito importantes. Primeiro, jogar bem, senão não adianta, não chega num clube desses. Em segundo lugar ter bom comportamento. Eu vi bons jogadores, não só brasileiros, mas de outras nacionalidades, e chegaram nos clubes e não tiveram grandes atuações porque também não eram bons profissionais. Eu acho que os jogadores que quiserem ter êxito, quiser ganhar o respeito e a admiração do torcedor tem que ter um comportamento  de atleta profissional. Ele tem que saber que aquele é um momento da vida que é curto e que tem que ser bem aproveitado mas de uma maneira positiva. Não é querer usar o nome e o prestígio para fazer coisas que não deva.

DÁ PARA COMPARAR O SANTOS DE PELÉ COM O REAL DE DI STEFANO ?

Em termos de aproveitamento não há diferença entre uma e outra equipe. Eram muito boas, em seus momentos. O Real Madrid teve ainda o Kopa, o Barcelona teve o Kubala. São momentos do futebol, quando surgem grandes jogadores. O Santos teve, realmente, um momento excepcional, importantíssimo para a historia do futebol mundial. Não se trata de futebol local. Era um time respeitado, convidado para grandes eventos e que tinha no Pelé, graças a imprensa francesa que o transformou – não foi a imprensa brasileira – em rei do futebol, mas com pleno merecimento, porque ele fazia coisas extraordinárias em campo.

QUEM FOI O “PELÉ” ESPANHOL ?

– Eu joguei com alguns grandes jogadores espanhóis. Fica difícil fazer uma análise assim porque o futebol espanhol sempre foi um futebol de força, nunca foi um futebol de grande categoria. A categoria estava nos estrangeiros. Os espanhóis eram a força, o motor. Mas eu joguei no Barcelona com o Ramallets, que jogou a copa do mundo aqui, em 1950, tínhamos um volante fantástico que era o Segarra, extraordinário, e no Madrid destaco o Gento. Até hoje não vi um ponta igual a ele. Não falo na Espanha, somente, fora também. Tinha uma velocidade extraordinária, um chute muito bem endereçado sempre. Não era um jogador de grande habilidade, mas com muita agilidade. Esse foi um jogador espanhol extraordinário. Jogou em 1962 contra a gente, na copa do Chile e foi muito difícil marcá-lo, pela velocidade dele.

A IMPORTAÇÃO DE JOGADORES FOI RUIM PARA O FUTEBOL ESPANHOL ?

– Em princípio foi, porque todas as equipes espanholas tinham jogadores estrangeiros e quase sempre na mesma posição. Quando eles precisavam de um espanhol para jogar na seleção, como centro-avante não tinha. Porque no Real, no Barcelona, no Atlético, em todas as grandes equipes eram os estrangeiros que jogavam, isso impedia a ascensão dos jogadores espanhóis. Com o tempo houve uma mudança porque começaram a tratar um pouco mais os jogadores de base. Hoje dão muito mais atenção às divisões de base, mas com a mesma filosofia, que as vezes impede que os jogadores espanhóis subam porque eles levam meninos, que depois se tornam profissionais, mas são estrangeiros. Quando eles conseguem naturalizar algum e hoje eles buscam preferencialmente quem tenha origem espanhola, fica mais fácil. Esse é o grande problema do futebol espanhol. Os grandes jogadores, com algumas exceções, são estrangeiros e quando chega a hora de formar a seleção eles encontram dificuldade.


Foto: Iata

VOCÊ RECEBEU CONVITE PARA SE NATURALIZAR ?

Fui convidado a me naturalizar para jogar a copa de 1962. Lá estavam Di Stefano, que é argentino, e Puskas, que era húngaro, jogando na frente. Quer dizer, não tinham jogador para aquelas posições e eles queriam fazer, como eles chamam, a “tripleta central”, formada por três estrangeiros. Esse é o grande problema que existe até hoje na Espanha, se bem que eles começaram a exportar também. Já existem jogadores espanhóis jogando em equipes inglesas, francesas, o que quer dizer que está havendo uma evolução.

A ESPANHA É CANDIDATA A GANHAR A COPA ?

– Olha, não tem tradição de copa do mundo, a Espanha, essa é a grande verdade. É muito importante que uma equipe que chegue lá, seja tradicionalmente de chegada, pelo menos  na semifinal. A Espanha, nesses últimos campeonatos não tem conseguido isso. Há casos de seleções que foram aos mundiais com grandes equipes, como favoritas, mas não ganharam. Acho que esse ano, até pelas eliminatórias que fez, tem boas condições, mas acho que fica faltando uma coisinha a mais, aquele tchan que faz as grandes equipes. A Espanha não tem. Falta um pouquinho de tradição. Ela precisa chegar a um título mundial, quando não a uma final, pelo menos. Então, os favoritos são aqueles de sempre porque os jogadores se sentem capacitados pra isso, não entram com temor de perder. Dizer “nós nunca chegamos em lugar nenhum em outras vezes, não vamos chegar agora”. Isso não acontece com essas equipes.

PELO MENOS É UM TIME FORTE, CONCORDA ?

– É, mas você quer saber de uma coisa, a Espanha inclusive tem um jogador brasileiro, o Marcos Senna, que joga no Villarreal e se naturalizou e vai jogar a copa do mundo pela seleção deles. O que demonstra que na Espanha não surgem grandes jogadores a cada momento. Eu acredito que se a Espanha começar bem o campeonato ela vai crescer, mas é preciso que ela vá muito bem, na primeira fase , porque essa primeira fase é que dá moral à equipe e isso a Espanha precisa, e muito. Não pode entrar com temor e se desclassificar logo na primeira etapa. Fundamentado na boa campanha nas eliminatórias acho que a Espanha vai fazer um boa copa, mas não acho que seja uma das favoritas.


Foto: Iata

VOCÊ ACREDITA EM DECISÃO ANTECIPADA NESSE JOGO ?

No futebol espanhol não é. Seria aqui no futebol brasileiro, mas aquele que conseguir uma vitória vai ter uma grande vantagem porque os jogos fora são muito difíceis. Quando se joga em La Coruña, Sevilha, Valencia, são jogos extremamente difíceis e você não tem uma visão antecipada do resultado que você pode fazer. Mas quem está pensando em ganhar a Liga (campeonato) tem que vencer. É um jogo muito difícil mas eu acho que o Barcelona leva uma pequena vantagem porque, em casa, ele tem um comportamento muito bom e sabe jogar bem fora, também. Mas o Madrid cresceu muito ultimamente, é um jogo extremamente equilibrado, como sempre foi, com uma leve vantagem para o Barcelona porque tem o Messi. Ele desequilibra os jogos e se estiver inspirado vai criar muitos problemas para o Madrid, que não tem um jogador, embora com muitos craques, que possa desequilibrar o jogo. Esse jogador poderia ser o Kaká, se não estivesse com esses problemas de contusão, poderia haver um equilíbrio. Mas hoje a coisa está desequilibrada e eu acho que a presença do Messi pode resolver o problema.

MESSI É O MELHOR DO MUNDO ?

– Não resta dúvida que, pelo que ele vem fazendo no Barcelona, pela arte como ele joga futebol ele pode ser considerado, até porque foi ele quem ganhou o premio de melhor do mundo. E no futebol a gente está sempre aprendendo, não esquece jamais, portanto eu acho que ele hoje é a grande figura do futebol mundial.

COM CERTEZA UMA GRANDE FESTA NO BERNABÉU

– É bom, mas vou assistir pela televisão aqui. Se você lembrar, uns dois, três anos atrás, houve um brasileiro que infernizou a vida do Real Madrid, dentro do Santiago Bernabéu, que foi o Ronaldinho. Acho que foi a maior partida da vida dele, que liquidou o Madrid e foi aplaudido  pela torcida merengue. Quem sabe se isso não pode acontecer com o Messi lá no Santiago Bernabéu ?

One thought on “EVARISTO NÃO ACREDITA EM DECISÃO ANTECIPADA NA ESPANHA

  1. Matéria sensacional, cheia de informações valiosas e a insuperável capacidade do Sr. Evaristo de Macedo de traduzir momentos marcantes em palavras de fácil entendimento. Ele fala e é como se você estivesse vendo o lance. Deve ter sido um jogador notável e foi certamente, pelos números e carrera. Um cracaço e supercampeão.
    Parabéns novamente a você Iata.
    Izaias

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