EU FICO COM O LEGADO DA PUREZA

Não foi por livre e espontânea vontade que os manifestantes deixaram as ruas para se integrar a corrente pra frente. Suas reivindicações continuam latentes, mas não foi a voz da prudência que pegou o microfone daquele carro de som dos sindicatos para dizer que depois da Copa a luta continua. Foi porque até na casa de um Black bocks chegou uma criança do colégio toda vestida de verde amarelo pedindo ao pai, revoltado ou não, justo ou baderneiro, para ajudá-lo a fazer o dever de casa sobre Honduras. Onde ficava, qual era o seu hino, que língua falava. Depois, pediria para juntos irem ao jornaleiro comprar figurinhas e, de quebra, comprar aquela bandeirinha para fixar ao vidro do carro. Nem no dia 7 de Setembro seus professores conseguiram lhes passar tamanho espírito cívico para decorar e cantar daquele jeito emocionado o hino do seu país.

Outra vez a pureza das crianças ecoou por todo o país lembrando, a cada um de nós, os versos de Gonzaguinha: “ É a vida, é bonita e é bonita!”. Foram elas que nos mostraram que Copa é cultura, é congraçamento de raças, onde nosso país entra dentro nos lares do mundo inteiro mostramos o que somos. Não o que queremos. A que patamar social almejamos alcançar. O modelo de socialismo, neoliberalismo ou capitalismo que, enfim, fincará sua prática por aqui. O Brasil é um cartão postal instantâneo que invadiu lares e fez abrir suas cartas cheias de luz e cores por todo o planeta cinza.

Sem traumas ou ideologias, filiadas a partido algum, nossas crianças vão para frente da televisão torcer para o seu país ganhar a Copa, pouco se importando se a vitória ou derrota ajudarão ou atrapalharão os que se propõe a presidi-lo ano que vem. Enxergaram, como ninguém, que somos um modelo de paz e felicidade que chega naquela televisão do vigia da faixa de Gaza anestesiando, nem que seja por 90 minutos, seu ódio eterno contra os vizinhos. Entenderam, antes de nós, que o Iran também sabe jogar futebol, enfrentar a poderosa Argentina, marcando o Messi na bola, sem ter que processar qualquer tipo de urânio. Explodir uma bomba sobre nós. Que a romântica Grécia é capaz de, aos quarenta do segundo tempo, mandar os consagrados jogadores africanos de volta à Costa do Marfim na bola. Não no verso ou no poder de sua história.

Falamos antes, durante e discutiremos o resto das nossas vidas o tal legado da Copa do Mundo. Se os estádios foram mesmo superfaturados, se o tal padrão FIFA deixou nosso criativo futebol igual ao previsível da Escócia, se todo o investimento nos aeroportos, portos e rodovias foram em vão ou impulsionaram nosso progresso como jamais o fariam. Mas não há como negar que nenhum país decoraria suas ruas, vestiria suas cores, berraria seus hinos se não tirasse do fundo de sua alma um sentimento puro, verdadeiro, identificado com a solenidade que realiza.

Mesmo porque o maior de todos os legados já está correndo pela sala com uma bola de futebol nos pés. Vai sair da Copa, com qualquer resultado, carregado de cultura, apaixonado pelo esporte, pelo seu Brasil, e como versava Martinho da Vila : “Então quando ele crescer, há de ser homem de bem, vou ensiná-lo a viver, onde ninguém é de ninguém, vai ter que amar a liberdade, só vai cantar em tom maior, vai ter a felicidade de ver um Brasil melhor!”.

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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