ERA APENAS UM PINTO QUE PASSOU EM TOLAS VIDAS

Desde os juvenis que jogadores de futebol tomam banhos juntos, após os treinos, em vestiários sem qualquer privacidade. Um zagueirão, que se tornou treinador, disse lá atrás para seus pupilos, em uma preleção, que “futebol é pra macho!”. Sendo assim, jamais foram construídos boxes para cada um preservar a sua intimidade. Diante deste “espetáculo” diário e ao vivo crescemos sem perceber nos banhos coletivos cores e tamanhos dos dotes de cada companheiro. Faziam parte da paisagem. Esqueci, tirem as crianças das bancas porque cenas fortes serão relatadas por aqui: era treinador do América FC-TR quando, aí sim, hierarquicamente, a Comissão Técnica esperava os atletas tomarem o seu banho quando, ao me dirigir aos chuveiros, uma sucuri, ou cascavel, foi tudo muito rápido, fez a curva pendurada no púbis de um atacante. Tomei, lógico, um susto, disfarcei, o máximo de pista que dei diante daquela cena de “Anaconda 4, a invasão do Tiezão”, foi passar a olhar com dó e compaixão a esposa do jogador. E acho que ela percebeu, ele era titular do time e deveria pensar: “Está com pena de mim porque este técnico ? Meu marido está jogando?”

Bem, eu jogava no Flamengo nesta época e havia um armário com escaninhos no vestiário onde guardávamos chinelos e toalhas para o banho. E bastou completar dois meses de trocas de roupas para um companheiro notar que o vizinho do escaninho ao lado só trocava a sunga escondidinho. Para isto, passou a observar que ele, o investigado, era o primeiro a chegar para o treino e o ultimo a sair dos treinamentos. Para a comissão técnica era um exemplo, mas para uma classe que não tem mais o que fazer, que lia na concentração obras clássicas da literatura como Contigo, Amiga e Tio Patinhas, era um prato cheio de intrigas. E começaram as investigações para saber o que ocorrera com aquele pinto escondido.

A CPI, formada por dois zagueiros, um meio campo e um relator, notou que o portador das asas dentro da sunga (a novela da Globo era Saramandaia e seres alados estavam na moda) descia do setor 4 das cadeiras do Maracanã para os vestiários antes de todo mundo. E combinamos com o roupeiro para trocar a sua sunga com a de numero 5 do Merica, cabeça de área baiano e encrencado. Descemos todos juntos com ele que na chegada gritou: “Quem está com a minha sunga devolva! Tenho que jogar com ela. está rezada pelo Senhor do Bonfim!”. Nosso personagem não trocou, alegou já estar no aquecimento e quase saiu briga. Merica acabou  jogando mesmo com a de número ….Ganhamos o jogo mas o mistério já ganhava proporções. Reuniões foram realizadas, estratégias montadas. Sobrou para mim a tarefa de dividir e investigar o quarto em uma partida em Campinas, contra o Guarani. As apostas se dividiam e ganhavam os bastidores da boca maldita da Gávea: seria enorme que mal caberia na sunga ou imperceptível aos olhos igualmente  nús? Quando o suspeito soube que era eu o escalado para dividir o quarto, berrou junto ao supervisor:  “Já tenho meu companheiro de quarto, estamos entrosados!”. O supervisor, já dentro do esquema e com apostas feitas e envolvido, disse que era para unir ainda mais o grupo. Nem eu acreditei. À noite, deitado na cama do Hotel Vila Rica a cobrir os olhos com a coberta até o limite de uma brecha na visão, esperei que saísse do banho e…ele entrou com a toalha e tudo dentro da sua coberta e realizou a troca pelo pijama. Quando cheguei para o café da manhã, uma multidão aguardava o resultado da CPI. Ao relatar o fracasso da missão, fui vaiado e substituído no cargo.

Nosso contrato estava acabando e a última esperança era contratar mesmo uma Maria Chuteira, que ficavam nos esperando na saída,  e escolhemos uma daquelas popuzadas. Tipo das preferidas do Adriano. Ela concordou em participar da trama, lhe pediu carona à saída do clube, ele foi gentil e a deixou em casa. Era fiel e ficamos todos sabendo pelo seu relatório no treino seguinte. Saí mais tarde do Flamengo e quando os membros da CPI se encontravam, em clássicos pelo país, a pergunta era a mesma com o passar dos anos e dos clubes: “E aí? Descobriram?”

Tempos depois ficamos sabendo que ele casou, teve filhos, nenhum deles chegou a voar, é feliz e nunca precisou de psicólogos. Enfim, que era normal, ao contrário da gente, jogadores de futebol que aprendemos uma outra lição. Que precisamos estudar, cuidar da própria vida e carreira no lugar de ficar tomando conta das intimidades alheias. Afinal, era apenas um outro pinto que passou nos vestiários de nossas tolas vidas e que a futilidade nos deixou levar. 

José Roberto Padilha é jornalista, ex-atleta do Fluminense, Flamengo, Santa Cruz e Americano, entre outros.

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